domingo, 31 de outubro de 2010
1963 - Notas soltas de uma viagem: a cama de pau
Tinha eu 25 anos (1963) quando, por sugestão do "meu chefe", o "Diário de Notícias", posta de lado a hipótese de viajar na PANAIR (falida (?) entretanto), me mandou comprar um assento na segunda classe do SUD sem direito a cama e me pôs a caminho de Zurique, primeiro (coisa, apesar de tudo, única no meio em que eu "funcionava" no jornal), depois Paris, ao encontro do eng. Brás de Oliveira que, entretanto, seguira por via aérea dias antes.
Era a minha primeira saída de Portugal, das muitas de que este blogue agora é já registo.
Mas existe, feita "na hora", a síntese manuscrita do que foi essa "primeira vez"...
Exactamente, com partida no dia 29 de Setembro de 1963.
Partilho-a convosco, no essencial, sobretudo, pelo eventual pitoresco que possa haver num relato ainda a cheirar ao que aconteceu... Na primeira pessoa.
"Eram 14 horas e 45. Lisboa, Sta. Apolónia. SUD.
No meu compartimento dois ingleses, uma inglesa e uma portuguesa de "ar duvidoso". Pessoalmente, emoção mal contida.
Os ingleses oferecem-me um cigarro e começamos a trocar impressões, cada um com o inglês que sabia...
Gostam de Portugal, mas dizem que é tudo muito caro. Vêm do Canadá.
Oiço-os dizer que sou "seu jovem companheiro e que viajarei sob a sua protecção..."
Oferecem-me uma caixa de pastilhas elásticas.
Parámos em Pombal para mudar a máquina do combóio para uma Diesel.
Entretanto, um funcionário da PIDE veio pedir-me o passaporte e, pensando que eu era funcionário da Imprensa Nacional, pergunta-me pela autorização do Ministério.
Viajo na 2ª carruagem de 2ª classe, compartimento 7, lugar 25.
A "rapariga duvidosa" lê "Vida Moral" (I parte - A Medicina e a Higiene; II parte - A Vida Sexual). "Ainda não deve ter chegado à parte sexual. Vai nas primeiras páginas" - anotei.
Entretanto, a inglesa lê um livro policial.
Os ingleses (canadianos, afinal) convidaram-me para jantar. Como disse que não, perguntaram-me se ía passar fome e eu expliquei que tinha trazido farnel de casa...
Um deles anda a dar a volta ao mundo.
Chegámos às 21.15 a Vilar Formoso. Boa noite! Espanha à vista.
Os funcionários da alfândega espanhola não quiseram ver nada.
Em Salamanca entrou um casal espanhol com um bebé. Quando o combóio partiu, ele benzeu-se e a mulher deitou-se sobre as minha costas. Gostei. Está frio.
Não sei se dormi... Às 7.30 o sol começa a romper. Atravesso terras de "nuestros hermanos". S. Sebastian às 9.12. Irun pouco depois. Adeus Espanha!
Cheguei a Hendaye sem complicações alfandegárias. Nem viram a bagagem.
Um português que vai para a Holanda tirou-me uma fotografia.
Estou no café em frente da estação de Hendaya e está comigo um português que vai para França ganhar, ou ver se ganha, a vida. Dirige-se a Paris à procura de...de um primo.
Voltei a encontrar o inglês, que afinal é canadiano, que queria tomar banho e não o entendiam. Acompanhei-o a dois hotéis, mas afinal não havia banhos... Convidou-me para tomar um café. É proprietário de um barco de pesca no mar alto (Alaska). Dei-lhe um cartão meu. Ele é o Peter.
O combóio para Genève partiu às 17.06 - hora exacta. Vai um padre, uma "gralha" e um operário espanhol no compartimento em que sigo.
O padre sabe muitas línguas. A "gralha" sabe francês e a sua língua (espanhol), naturalmente.
Pela janela, vejo uma velhota a ser levada num carrinho de bagagem por um funcionário da estação.
Chegámos a Pau às 19.30. Vejo uma colina encimada com uma cruz. Tudo iluminado. É Lourdes. Na estação há mantas e almofadas à venda num carrinho. O padre pergunta-me, com ar satírico, para que é...
Às 20.20 jantei três sandes e três bananas - ainda de Lisboa. Deitei-me no banco às 21.15. Dormi um pouco... Depois de horas e horas sem descanso.
Um bagageiro embirrou comigo e quis pôr malas por cima das minhas e do padre. Recusámos. Eu primeiro, depois o padre.
Às 2.40 do dia 1/10 vejo-me na cidade de Nimes. Acordei há pouco. O relógio ora adianta, ora atrasa.
Vienne às 5.30. Nem um papel no chão.
Lyon-Perrache às 5.55. O revisor não aparece. Só aqui veio uma vez. Entraram mais pessoas e nada...
O que vejo ao longe são casas castanhas (madeira?) enquadradas na verdura.
Debato-me entre o sono e a vontade de ver tudo bem.
Adeus França! Bom dia Suiça! A alfândega não quis ver nada.
Desejei fazer a barba em Genève, mas não tive tempo.
Entretanto, à minha frente tenho uma jovem suiça. Loira como as imagino, em Portugal. Afinal, o "frio" que tinha era nervoso. O tempo está óptimo!
Paragem em Nyon às 9.21. A meu lado sentou-se agora uma loira que deve ser da Suiça alemã - fala alemão.
Paragem em Morges às 9.37. Quando o combóio chega ou parte, toca uma campaínha com um som forte. À minha frente, a loira sorri de quando em quando. Não sei se de mim se...para mim... Com barba de dois dias.
Era a minha primeira saída de Portugal, das muitas de que este blogue agora é já registo.
Mas existe, feita "na hora", a síntese manuscrita do que foi essa "primeira vez"...
Exactamente, com partida no dia 29 de Setembro de 1963.
Partilho-a convosco, no essencial, sobretudo, pelo eventual pitoresco que possa haver num relato ainda a cheirar ao que aconteceu... Na primeira pessoa.
"Eram 14 horas e 45. Lisboa, Sta. Apolónia. SUD.
No meu compartimento dois ingleses, uma inglesa e uma portuguesa de "ar duvidoso". Pessoalmente, emoção mal contida.
Os ingleses oferecem-me um cigarro e começamos a trocar impressões, cada um com o inglês que sabia...
Gostam de Portugal, mas dizem que é tudo muito caro. Vêm do Canadá.
Oiço-os dizer que sou "seu jovem companheiro e que viajarei sob a sua protecção..."
Oferecem-me uma caixa de pastilhas elásticas.
Parámos em Pombal para mudar a máquina do combóio para uma Diesel.
Entretanto, um funcionário da PIDE veio pedir-me o passaporte e, pensando que eu era funcionário da Imprensa Nacional, pergunta-me pela autorização do Ministério.
Viajo na 2ª carruagem de 2ª classe, compartimento 7, lugar 25.
A "rapariga duvidosa" lê "Vida Moral" (I parte - A Medicina e a Higiene; II parte - A Vida Sexual). "Ainda não deve ter chegado à parte sexual. Vai nas primeiras páginas" - anotei.
Entretanto, a inglesa lê um livro policial.
Os ingleses (canadianos, afinal) convidaram-me para jantar. Como disse que não, perguntaram-me se ía passar fome e eu expliquei que tinha trazido farnel de casa...
Um deles anda a dar a volta ao mundo.
Chegámos às 21.15 a Vilar Formoso. Boa noite! Espanha à vista.
Os funcionários da alfândega espanhola não quiseram ver nada.
Em Salamanca entrou um casal espanhol com um bebé. Quando o combóio partiu, ele benzeu-se e a mulher deitou-se sobre as minha costas. Gostei. Está frio.
Não sei se dormi... Às 7.30 o sol começa a romper. Atravesso terras de "nuestros hermanos". S. Sebastian às 9.12. Irun pouco depois. Adeus Espanha!
Cheguei a Hendaye sem complicações alfandegárias. Nem viram a bagagem.
Um português que vai para a Holanda tirou-me uma fotografia.
Estou no café em frente da estação de Hendaya e está comigo um português que vai para França ganhar, ou ver se ganha, a vida. Dirige-se a Paris à procura de...de um primo.
Voltei a encontrar o inglês, que afinal é canadiano, que queria tomar banho e não o entendiam. Acompanhei-o a dois hotéis, mas afinal não havia banhos... Convidou-me para tomar um café. É proprietário de um barco de pesca no mar alto (Alaska). Dei-lhe um cartão meu. Ele é o Peter.
O combóio para Genève partiu às 17.06 - hora exacta. Vai um padre, uma "gralha" e um operário espanhol no compartimento em que sigo.
O padre sabe muitas línguas. A "gralha" sabe francês e a sua língua (espanhol), naturalmente.
Pela janela, vejo uma velhota a ser levada num carrinho de bagagem por um funcionário da estação.
Chegámos a Pau às 19.30. Vejo uma colina encimada com uma cruz. Tudo iluminado. É Lourdes. Na estação há mantas e almofadas à venda num carrinho. O padre pergunta-me, com ar satírico, para que é...
Às 20.20 jantei três sandes e três bananas - ainda de Lisboa. Deitei-me no banco às 21.15. Dormi um pouco... Depois de horas e horas sem descanso.
Um bagageiro embirrou comigo e quis pôr malas por cima das minhas e do padre. Recusámos. Eu primeiro, depois o padre.
Às 2.40 do dia 1/10 vejo-me na cidade de Nimes. Acordei há pouco. O relógio ora adianta, ora atrasa.
Vienne às 5.30. Nem um papel no chão.
Lyon-Perrache às 5.55. O revisor não aparece. Só aqui veio uma vez. Entraram mais pessoas e nada...
O que vejo ao longe são casas castanhas (madeira?) enquadradas na verdura.
Debato-me entre o sono e a vontade de ver tudo bem.
Adeus França! Bom dia Suiça! A alfândega não quis ver nada.
Desejei fazer a barba em Genève, mas não tive tempo.
Entretanto, à minha frente tenho uma jovem suiça. Loira como as imagino, em Portugal. Afinal, o "frio" que tinha era nervoso. O tempo está óptimo!
Paragem em Nyon às 9.21. A meu lado sentou-se agora uma loira que deve ser da Suiça alemã - fala alemão.
Pormenor de um óleo de Emília Alves |
Brasiú - bom dia!
Alô, Brasiú!
Hoje é dia de festa. Vocês elegem o vosso presidentch. Mas eu, como sou vosso amigo do peito, e não quero que se esqueçam de certas coisas, se é que se esquecem, trago-vos aqui mais umas palavrinhas da Carolina que Deus haja.
Ora, registem:
"...Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os políticos aqui só aparecem nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Êle era tão agradável. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Êle nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.
... Eu classifico São Paulo assim: O Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos."
Hoje é dia de festa. Vocês elegem o vosso presidentch. Mas eu, como sou vosso amigo do peito, e não quero que se esqueçam de certas coisas, se é que se esquecem, trago-vos aqui mais umas palavrinhas da Carolina que Deus haja.
Ora, registem:
"...Quem nos protege é o povo e os Vicentinos. Os políticos aqui só aparecem nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Êle era tão agradável. Tomava nosso café, bebia nas nossas xícaras. Êle nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.
... Eu classifico São Paulo assim: O Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos."
sábado, 30 de outubro de 2010
Uma certa "pré-história"...
Estamos em 1978.
Era motivo de enorme curiosidade a "gracinha" que se podia registar no átrio da C.N. Tower, em Toronto, no Canadá: letras e sinais por todo o lado...
Registo a curiosidade - hoje, relíquia...
Era motivo de enorme curiosidade a "gracinha" que se podia registar no átrio da C.N. Tower, em Toronto, no Canadá: letras e sinais por todo o lado...
Registo a curiosidade - hoje, relíquia...
Glorious hunter's chorus
Saudades da 3ª voz do coro da Veiga Beirão, no Largo do Carmo, em Lisboa, dirigido pelo professor Euclides Ribeiro, que, por ser coxo, a "malta" chamava, "à sucapa", mas com ternura, o "sobe e desce"...
Pequenos anúncios - a carta
Talvez possa disfarçar-se o presente. O passado NÃO!, digo eu.
Divertimento aos ... 17/18 ( ? ) anos, com eventual actualidade, "graça" ... hoje ...
Anúncio do "Diário de Notícias":
"CASAMENTO
Senhora, viúva de 40 anos, saudável, culta, educada e muito apresentável, possuindo carro e carta de condução, deseja encontrar pessoa absolutamente séria e em boa situação material para fins matrimoniais. Exigem-se e dão-se rigorosas informações. Carta ao Rossio, 11, ao nº 1487."
Resposta:
"Nesta vida árida, vazia, triste e penosa que é o meu dia-a-dia, encheu-me de uma imensa alegria a leitura do anúncio publicado hoje por V.Exa..
Ter 40 anos!... Oh,sonho dos sonhos! V.Exa. é a mais feliz das mulheres! Linda idade a Vossa, minha Senhora! Com 40 primaveras não há segredos na vida, tudo é belo, risonho, tudo é já fruto da experiência - vive-se! Além disso, V.Exa. tem saúde, tem esse bem inestimável da saúde, deve ter ainda energia, vigor, boa presença.
Como me sinto fraco comparado com V.Exa.. Só tenho peles, peles e osso. Dinheiro, só dinheiro e um jazigo - eis o que possuo.
Mas o carinho, o conforto, a ternura, o afago permanente de alguém como V.Exa. é o que me falta e é, afinal, tudo quanto mais desejo.
Deixe-me ir até junto de si, deixe-me ir amá-la, aceite o amor de um velho, de um pobre velho para quem a vida tem sido despida de felicidade, de amor, de autêntica, de verdadeira paz de espírito.
Seríamos felizes, faríamos tudo, mas tudo, o que quisesse e aproveitariamos à maravilha a nossa experiência e o seu fulgor, a agitação do seu sangue jovem.
Ter 40 anos!...Sonhar! Quarenta anos e sem ninguém! Oh, como eu seria feliz!
É viúva há muito tempo, não é, minha Senhora? Oh, minha Vénus adormecida... Que delícias, que sabor!... "Deveis estar de apetite" - como diria o Eça, o nosso Eça.
Fico de joelhos ante vós!
Adeus, minha Vida!...
Com todo o respeito,
José de Canto e Castro e Patrício"
Divertimento aos ... 17/18 ( ? ) anos, com eventual actualidade, "graça" ... hoje ...
Anúncio do "Diário de Notícias":
"CASAMENTO
Senhora, viúva de 40 anos, saudável, culta, educada e muito apresentável, possuindo carro e carta de condução, deseja encontrar pessoa absolutamente séria e em boa situação material para fins matrimoniais. Exigem-se e dão-se rigorosas informações. Carta ao Rossio, 11, ao nº 1487."
Resposta:
"Nesta vida árida, vazia, triste e penosa que é o meu dia-a-dia, encheu-me de uma imensa alegria a leitura do anúncio publicado hoje por V.Exa..
Ter 40 anos!... Oh,sonho dos sonhos! V.Exa. é a mais feliz das mulheres! Linda idade a Vossa, minha Senhora! Com 40 primaveras não há segredos na vida, tudo é belo, risonho, tudo é já fruto da experiência - vive-se! Além disso, V.Exa. tem saúde, tem esse bem inestimável da saúde, deve ter ainda energia, vigor, boa presença.
Como me sinto fraco comparado com V.Exa.. Só tenho peles, peles e osso. Dinheiro, só dinheiro e um jazigo - eis o que possuo.
Mas o carinho, o conforto, a ternura, o afago permanente de alguém como V.Exa. é o que me falta e é, afinal, tudo quanto mais desejo.
Deixe-me ir até junto de si, deixe-me ir amá-la, aceite o amor de um velho, de um pobre velho para quem a vida tem sido despida de felicidade, de amor, de autêntica, de verdadeira paz de espírito.
Seríamos felizes, faríamos tudo, mas tudo, o que quisesse e aproveitariamos à maravilha a nossa experiência e o seu fulgor, a agitação do seu sangue jovem.
Ter 40 anos!...Sonhar! Quarenta anos e sem ninguém! Oh, como eu seria feliz!
É viúva há muito tempo, não é, minha Senhora? Oh, minha Vénus adormecida... Que delícias, que sabor!... "Deveis estar de apetite" - como diria o Eça, o nosso Eça.
Fico de joelhos ante vós!
Adeus, minha Vida!...
Com todo o respeito,
José de Canto e Castro e Patrício"
Durante a Educação de Adultos, na pré-história das NOVAS OPORTUNIDADES
De um documento da época:
"A minha casa - Gosto muito da minha casa é lá que vivo com a minha patroa e foi lá que fiz os meus filhos. Assim que saio do trabalho vou logo para casa. O operário do dia de hoje já não vai para a taberna a dar-se com esses gajos que depois quando chegavam a casa davam porrada nas mulheres e se calhava fazerem filhos nessa altura vinham doentes.
A caça - A casa é um desporto. Para casar é preciso licença. Pode-se casar à cachaporrada e à paulada, mas à chaporrada é mais perigoso. No tempo do defeso não se pode casar. Quem casa sem licença vai preso.
Salazar - O Salazar faz estradas, fez pontes, fez escolas e até fez a minha professora. É um gajo porreiro.
O Infante D. Henrique - O Infante D. Henrique foi o primeiro rei de Portugal. O Infante D. Henrique descobriu três terras que são: Madeira e Açores. O Infante D. Henrique mais os Portugueses descobriram muitas terras com os Mouros. O Infante D. Henrique foi o primeiro casado com D. Filipa de Lencastre deixou cair o regaço de flores que D. Duarte beijou que eram de Sta. Maria. O Infante D. Henrique estava a ver que nunca mais chegava ao Brasil por causa das carrancas do mar.
A Pátria - A Pátria é Terra onde criaram os nossos pais, os galos e os nossos irmãos. A Pátria é linda e querida dos Portugueses e dos nossos antepassados e dos nossos irmãos e dos nossos tios e dos nossos avós. A Pátria é uma terra enorme e tem lá muitas igrejas e capelinhas e tabernas, e lá vivem muita gente como na serra da Estrela. Eu nunca fui à Pátria.
A vaca - A vaca tem quatro patas: a dianteira, a traseira e depois o rabo que ainda tem pelos. Debaixo da vaca está a leitaria. Com o rabo enxota as moscas. O marido da vaca é o boi. Não dá leite por isso não é mamífero come-se por dentro e por fora.
O leite - O leite é para bebermos. O leite faz queijo e manteiga. O leite é branco e eu gosto muito de leite. O leite vem dos animais que dão gente, os animais que dão leite são: a vaca, a cabra, a ovelha, os burros e o Senhor Prior da Mata da Mourisca também dá leite mas é em pó.
A Revolução de 1640 - A Revolução de 1640 foi descoberta no reinado de Filipe III. A Revolução de 1640 foram os portugueses que a descobriram. A Revolução de 1640 durou muitos anos porque estiveram debaixo dos Filipes. Filipe II descobriu a guerra da independência. Eu gosto muito da Revolução de 1640. A Revolução de 1640 deu-se para descobrir o Miguel de Vasconcelos que estava num armário de papéis."
"A minha casa - Gosto muito da minha casa é lá que vivo com a minha patroa e foi lá que fiz os meus filhos. Assim que saio do trabalho vou logo para casa. O operário do dia de hoje já não vai para a taberna a dar-se com esses gajos que depois quando chegavam a casa davam porrada nas mulheres e se calhava fazerem filhos nessa altura vinham doentes.
A caça - A casa é um desporto. Para casar é preciso licença. Pode-se casar à cachaporrada e à paulada, mas à chaporrada é mais perigoso. No tempo do defeso não se pode casar. Quem casa sem licença vai preso.
Salazar - O Salazar faz estradas, fez pontes, fez escolas e até fez a minha professora. É um gajo porreiro.
O Infante D. Henrique - O Infante D. Henrique foi o primeiro rei de Portugal. O Infante D. Henrique descobriu três terras que são: Madeira e Açores. O Infante D. Henrique mais os Portugueses descobriram muitas terras com os Mouros. O Infante D. Henrique foi o primeiro casado com D. Filipa de Lencastre deixou cair o regaço de flores que D. Duarte beijou que eram de Sta. Maria. O Infante D. Henrique estava a ver que nunca mais chegava ao Brasil por causa das carrancas do mar.
A Pátria - A Pátria é Terra onde criaram os nossos pais, os galos e os nossos irmãos. A Pátria é linda e querida dos Portugueses e dos nossos antepassados e dos nossos irmãos e dos nossos tios e dos nossos avós. A Pátria é uma terra enorme e tem lá muitas igrejas e capelinhas e tabernas, e lá vivem muita gente como na serra da Estrela. Eu nunca fui à Pátria.
A vaca - A vaca tem quatro patas: a dianteira, a traseira e depois o rabo que ainda tem pelos. Debaixo da vaca está a leitaria. Com o rabo enxota as moscas. O marido da vaca é o boi. Não dá leite por isso não é mamífero come-se por dentro e por fora.
O leite - O leite é para bebermos. O leite faz queijo e manteiga. O leite é branco e eu gosto muito de leite. O leite vem dos animais que dão gente, os animais que dão leite são: a vaca, a cabra, a ovelha, os burros e o Senhor Prior da Mata da Mourisca também dá leite mas é em pó.
A Revolução de 1640 - A Revolução de 1640 foi descoberta no reinado de Filipe III. A Revolução de 1640 foram os portugueses que a descobriram. A Revolução de 1640 durou muitos anos porque estiveram debaixo dos Filipes. Filipe II descobriu a guerra da independência. Eu gosto muito da Revolução de 1640. A Revolução de 1640 deu-se para descobrir o Miguel de Vasconcelos que estava num armário de papéis."
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Palácio de Belém
Na documentação em meu poder, obtenho as seguintes informações:
"De seu fundamento senhorial" o Palácio data de meados do século XVI (1559).
Houve reedificações no século XVII.
Foi ampliado e reedificado em 1726.
E teve novas ampliações e restauros em 1885, 1903 e 1929." E ainda, ao que parece, já neste século também.
Nada consta, todavia, quanto ao tratamento anti-sísmico do conjunto.
Entretanto, tem lugar HOJE, numa das suas Salas Nobres, um Conselho de Estado, convocado, ao que consta, pelo Laboratório de Engenharia Civil, perdão, pela Presidência da República, para tentar evitar a ruína do País.
Deus os oiça!
"De seu fundamento senhorial" o Palácio data de meados do século XVI (1559).
Houve reedificações no século XVII.
Foi ampliado e reedificado em 1726.
E teve novas ampliações e restauros em 1885, 1903 e 1929." E ainda, ao que parece, já neste século também.
Nada consta, todavia, quanto ao tratamento anti-sísmico do conjunto.
Entretanto, tem lugar HOJE, numa das suas Salas Nobres, um Conselho de Estado, convocado, ao que consta, pelo Laboratório de Engenharia Civil, perdão, pela Presidência da República, para tentar evitar a ruína do País.
Deus os oiça!
Ida e volta, volta e meia
Foto Mónica Ponce |
Quadras de trazer por casa...
Ida e volta, volta e meia
Quem me dera que assim fosse
Assentar-me por cá, à ceia
Voltar lá fora, p'ro doce
Hei-de voltar a Espanha
De Portugal em riste
Quixote, o Sem Façanha
Gonzaga*, o Peito Triste
* pseudónimo para quando calha...
Hei-de voltar a Maiorca
Dias claros, céu azul
P'ra reler Garcia Lorca
Ou de... Ramalho, John Bull
Hei-de voltar às Canárias
Comprar em primeira mão
Relógios, coisas várias
Nas costa dos rés-do-chão
Hei-de voltar a Paris
Pigalle, Latrec, Vartan
Hei-de voltar, ser feliz
Bonjour, Quartier Latin
Hei-de voltar à reinação
Do Mónaco, que tem princesa
Pugnar p'la civilização
Mas com dinheiro à francesa
Hei-de voltar à Bretanha
A inglesa, a de "mister" John
Não digam, isso é patranha
Vinde comigo, "come on"...
Hei-de voltar à Escócia
Dos castelos ao luar
Olhar a paisagem sócia
Do Minho do meu altar
Hei-de voltar, bela Veneza
Terça-feira de Carnaval
Quem sabe se, por gentileza,
Te vejo gota em cristal
Hei-de voltar a Atenas,
Ai deusas do Paternon!
Mulheres? Não apenas,
Monumentos, luz, som.
Hei-de voltar à Suíça
Ponteiro, maçã, quartel
Mas tanta ordem, chiça!
Nem eu, nem tu, nem Tell...
Hei-de voltar a Bruxelas,
Cruzamento europeu,
E de Cristo, enfunar velas
Risonho, sem nada de meu
Hei-de voltar ao Grão-Ducado
Ao Luxemburgo português
Pouca terra, bigorna, fado
Matar saudades, sem ir de vez
Hei-de voltar, Roterdão
Porto de velhos amores
E depois a Amsterdão
Ronda da Noite e flores
Hei-de voltar a Munique
Beber cerveja a granel
P'ra ver a Alemanha chique
Numa orgia de bordel
Hei-de voltar a Viena
Ao Danúbio a valsar
Que tudo merece a pena
Quando o azul é nosso par
Hei-de voltar a Moscovo
Lenine já derrubado
A Rússia é do povo
Herói, valente, soldado
Hei-de voltar, mamã Sereia
À Dinamarca, de calção
Avô Andersen na ideia
Amor de pai no coração
Hei-de voltar à Suécia
A das loiras, que sei eu...
Figuras d'antiga Grécia
Sonhos de qualquer Romeu
Hei-de voltar à China
Disfarçado de Macau
Com uma vontade canina
Aos compadres de Mao...
Hei-de voltar à Tailândia
Dos sorrisos e mistério
Pedaços de Disneylândia
E brincadeiras a sério...
Hei-de voltar, Montreal
Como De Gaulle, sem vaidade
Morto mas vivo, actual,
Aos gritos à liberdade
Hei-de voltar a Timor
Libertado há-de ser
Pacto de sangue e amor,
Verde rubro, renascer
Hei-de voltar. Regressarei?
Gostaria de lá ficar...
Onde? Digam! Riam! Não sei!...
Talvez num monte, ao luar...
Hei-de voltar...
Para a minha Amiga, Prof.ª Micau
De uma palestra, em Março de 1993, no Centro Social da Sé, em Lisboa, subordinada ao tema "As minhas peregrinações"
Lembro de, apoiado em alguns apontamentos soltos, ter falado de viagens, como é quase vício meu... Mas, na circunstância, com uma ouvinte muito especial. Ora leiam:
in "Cartas do meu avô"
"...27 de Novembro de 2005
Olá, Garota!
...e daquela vez em que eu, apoiado em imagens-vídeo de produção caseira, fui falar a um grupo de idosos de um centro de dia da Misericórdia de Lisboa e tu, sentada na primeira fila (tinhas três anos, não era?), ao lado do avô, incomodada com os restos de conversas laterais, te levantaste a pedir silêncio na sala... Lembras-te? "Deixem o meu avô falar!..."
A propósito de
Goa, a páginas tantas...
Hei-de voltar, Velha Goa
Portugal, antiga Sé
Saudade, gentes, Lisboa
Pessoa, Camões de pé
Macau
Hei-de voltar ao Senado
A Macau e ao Lisboa
Hei-de voltar ao passado
Tempo passa, tempo voa
Tóquio
Hei-de voltar ao Japão
Caravela com Jesus
Desarmado e cristão
Portugal a ponto cruz
Nova Iorque - Newark
Hei-de voltar, tio SAM
Em velas que hei-de fazer
Sem erros no meu afã
E sem Colombo saber
Caracas
Hei-de voltar a Caracas
Emigrado ou não, não sei
Que nem tudo são patacas
Dentro e fora da lei
Brasil
Hei-de voltar, sol d'Ipanema
Garotas, samba, esperai
Hei-de voltar, Brasil-poema
Quem regressa, fica, não sai
África do Sul
Hei-de voltar a Pretória
Negros com brancos, mestiços
Café, leite, oratória
Discursos, ONU, derriços
Zaire
Hei-de voltar ao Zaire
E tudo ver a crú
Antes que haja desaire
E intervenção da ONU
Senegal - Dakar
Hei-de voltar a Dakar
Cidade do Senegal
Das pretas a dar a dar
Dos mercados sem igual
Guiné - Bissau
Hei-de voltar à Guiné
Se puder, à capital
Olhar Portugal de pé
Ao pé de terras do Sal
Regresso a Lisboa
Hei-de voltar. Mas Portugal?
Os Jerónimos, as Descobertas?
Os campos, o mar, o areal?
As paisagens inda encobertas?...
Sim, ficarei, ponto final.
De uma palestra, em Março de 1993, no Centro Social da Sé, em Lisboa, subordinada ao tema "As minhas peregrinações"
Lembro de, apoiado em alguns apontamentos soltos, ter falado de viagens, como é quase vício meu... Mas, na circunstância, com uma ouvinte muito especial. Ora leiam:
in "Cartas do meu avô"
"...27 de Novembro de 2005
Olá, Garota!
...e daquela vez em que eu, apoiado em imagens-vídeo de produção caseira, fui falar a um grupo de idosos de um centro de dia da Misericórdia de Lisboa e tu, sentada na primeira fila (tinhas três anos, não era?), ao lado do avô, incomodada com os restos de conversas laterais, te levantaste a pedir silêncio na sala... Lembras-te? "Deixem o meu avô falar!..."
A propósito de
Goa, a páginas tantas...
Hei-de voltar, Velha Goa
Portugal, antiga Sé
Saudade, gentes, Lisboa
Pessoa, Camões de pé
Macau
Hei-de voltar ao Senado
A Macau e ao Lisboa
Hei-de voltar ao passado
Tempo passa, tempo voa
Tóquio
Hei-de voltar ao Japão
Caravela com Jesus
Desarmado e cristão
Portugal a ponto cruz
Nova Iorque - Newark
Hei-de voltar, tio SAM
Em velas que hei-de fazer
Sem erros no meu afã
E sem Colombo saber
Caracas
Hei-de voltar a Caracas
Emigrado ou não, não sei
Que nem tudo são patacas
Dentro e fora da lei
Brasil
Hei-de voltar, sol d'Ipanema
Garotas, samba, esperai
Hei-de voltar, Brasil-poema
Quem regressa, fica, não sai
África do Sul
Hei-de voltar a Pretória
Negros com brancos, mestiços
Café, leite, oratória
Discursos, ONU, derriços
Zaire
Hei-de voltar ao Zaire
E tudo ver a crú
Antes que haja desaire
E intervenção da ONU
Senegal - Dakar
Hei-de voltar a Dakar
Cidade do Senegal
Das pretas a dar a dar
Dos mercados sem igual
Guiné - Bissau
Hei-de voltar à Guiné
Se puder, à capital
Olhar Portugal de pé
Ao pé de terras do Sal
Três anos activos, a repórter estava lá... |
Hei-de voltar. Mas Portugal?
Os Jerónimos, as Descobertas?
Os campos, o mar, o areal?
As paisagens inda encobertas?...
Sim, ficarei, ponto final.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Dia do Idoso
De um óleo da velha Emília Alves |
Resultado:
num Prático: forma haplológica de idadoso. Velho.
num Dicionário de Sinónimos da Língua Portuguesa: ancião, anoso, antigo, decrépito, dioso, grandevo, longevo, maduro, provecto, sene, senil, velho.
Sendo velho, temos: adestrado, ancião, anil, antigo, antiquado, arraigado, avelhentado, bolorento, cacoso, caduco, canorço, carunchoso, cediço, chocho, decrépito, derrengado, desusado, dioso, encanecido, erado, estafado, experimentado, ferrugento, forte, gastado, gasto, gebo, grandevo, maduro, marido, mau, obsoleto, pai, passado, perito, prisco, proveito, queba, rançoso, ruinoso, sene, senecto, senil, usado, vedro, velhinha, velhusco, vetusto, viúva, zoupeiro, zoupo.
Muito mais rico!!!
Para velhote, entretanto, ainda se pode arranjar: ginja, o que é simpático...
Idoso, compreendo, por ter carinho à mistura, mas cheira-me a caridade (apesar de tudo, gosto mais de idadoso...)
Velho, claro que sim - "serei tudo, mas (velho) castrado, não!"
Dia do Velho, portanto. Como certas árvores, que acabam por "morrer de pé".
Disse.Ou melhor, tenho que dizer: TRATEM-NO BEM todos os dias. APAREÇAM - com um sorriso. E chamem-lhe o que quiserem - menos castrado.
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"Aproveitamento de sobras"
Sugestão HOJE para uma editora que esteja à beira da falência:
Quem é que, em 1978, publicou o livro "Aproveitamento de sobras"?
Confesso ignorar. O que sei é que, sem que ninguém me tivesse encomendado o sermão, tomei nessa altura a liberdade de fazer saber que...
"Há (havia...) por aí à venda um livro que, a meu ver, vai ficar na história como uma das edições mais úteis que se fizeram até hoje em Portugal.
Chama-se ele "Aproveitamento de Sobras" e trata, naturalmente, da forma de cozinhar os excedentes das refeições de cada dia (actualização do texto: ???). Excedentes em bom estado, entenda-se. De qualquer modo, sobras - o que não deixa de ser, em princípio, um sintoma do franco optimismo que norteia o editor. O certo é que para existirem sobras tem que haver comida e para esta existir é sinal de que não há fome.
Estamos, pois, "felizes e contentes": Portugal tem sobras.
Contrariamente ao que se diz, há comodinha a mais na nossa casa. É, por isso, boato o que se ouve falar, relativo ao espectro da fome que já pararia sobre nós. Não senhor: há paparoca para todos. E sobras.
A leitura do livro impõe-se, embora não seja urgente, já que, pelos modos, ainda ninguém deixou de comer a sua refeiçãozinha.
Por muito estranho que pareça, contudo, o simples facto de ter lido aquele título tão optimista, deixou-me preocupado. Sem saber porquê. Ou melhor: assaltou-me a ideia estúpida, com certeza, de que as sobras de que o livro trata são as que o estrangeiro nos dá - depois de se ter regalado com a comidinha acabada de fazer a partir do produto directo do seu trabalho intenso e continuado. Para nós estaria reservado o papel de aproveitadores das sobras alheias. Comeríamos tudo em 2ª mão.
Será isto? Não será?
Pouco importa: se o livro é a demonstração indirecta da fartura, o editor é um bem disposto e a edição vender-se-á por isso; se, pelo contrário, se destina a explicar aos portugueses como se aproveitam as sobras alheias, então, além do mais, o livro é capaz de vir a ser um êxito nunca visto - se continuarmos, como tudo indica, a não produzir.
Não acredito que o "Aproveitamento de sobras" se destine a ensinar a cozinhar a comida que estávamos habituados a dar a cães e gatos deste País..."
Actualize-se o contexto e...e está feito... O que acima transcrevo está no meu 1º livrinho ("À sombra da minha latada"), e terá sido publicado em primeira mão na imprensa de, não posso precisar, Lisboa ou Coimbra.
Quem é que, em 1978, publicou o livro "Aproveitamento de sobras"?
Confesso ignorar. O que sei é que, sem que ninguém me tivesse encomendado o sermão, tomei nessa altura a liberdade de fazer saber que...
"Há (havia...) por aí à venda um livro que, a meu ver, vai ficar na história como uma das edições mais úteis que se fizeram até hoje em Portugal.
Chama-se ele "Aproveitamento de Sobras" e trata, naturalmente, da forma de cozinhar os excedentes das refeições de cada dia (actualização do texto: ???). Excedentes em bom estado, entenda-se. De qualquer modo, sobras - o que não deixa de ser, em princípio, um sintoma do franco optimismo que norteia o editor. O certo é que para existirem sobras tem que haver comida e para esta existir é sinal de que não há fome.
Estamos, pois, "felizes e contentes": Portugal tem sobras.
Contrariamente ao que se diz, há comodinha a mais na nossa casa. É, por isso, boato o que se ouve falar, relativo ao espectro da fome que já pararia sobre nós. Não senhor: há paparoca para todos. E sobras.
A leitura do livro impõe-se, embora não seja urgente, já que, pelos modos, ainda ninguém deixou de comer a sua refeiçãozinha.
Por muito estranho que pareça, contudo, o simples facto de ter lido aquele título tão optimista, deixou-me preocupado. Sem saber porquê. Ou melhor: assaltou-me a ideia estúpida, com certeza, de que as sobras de que o livro trata são as que o estrangeiro nos dá - depois de se ter regalado com a comidinha acabada de fazer a partir do produto directo do seu trabalho intenso e continuado. Para nós estaria reservado o papel de aproveitadores das sobras alheias. Comeríamos tudo em 2ª mão.
Será isto? Não será?
Pouco importa: se o livro é a demonstração indirecta da fartura, o editor é um bem disposto e a edição vender-se-á por isso; se, pelo contrário, se destina a explicar aos portugueses como se aproveitam as sobras alheias, então, além do mais, o livro é capaz de vir a ser um êxito nunca visto - se continuarmos, como tudo indica, a não produzir.
Não acredito que o "Aproveitamento de sobras" se destine a ensinar a cozinhar a comida que estávamos habituados a dar a cães e gatos deste País..."
Actualize-se o contexto e...e está feito... O que acima transcrevo está no meu 1º livrinho ("À sombra da minha latada"), e terá sido publicado em primeira mão na imprensa de, não posso precisar, Lisboa ou Coimbra.
"Quarto de despejo" - "Quem escreve isto é louco"
"O dia vinha surgindo quando eu deixei o leito. A Vera despertou e cantou. E convidou-me para cantar. Cantamos. O João e o José tomaram parte.
Amanheceu garoando. O Sol está elevando-se. Mas o seu calor não dissipa o frio. Eu fico pensando: tem epoca que é o Sol que predomina. Tem epoca que é a chuva. Tem epoca que é o vento. Agora é a vez do frio.E entre êles não deve haver rivalidades. Cada um por sua vez.
Abri a janela e vi as mulheres que passam rapidas com seus agasalhos descorados e gastos pelo tempo. Daqui a uns tempos êstes palitol que elas ganharam de outras e que de há muito devia estar num museu, vão ser substituidos por outros. É os politicos que há de nos dar. Devo incluir-me, porque tambem sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.
... As mulheres que eu vejo passar vão nas igrejas buscar pão para os filhos. Que o Frei Luiz lhes dá, enquanto os espôsos permanecem debaixo das cobertas. Uns porque não encontram emprego. Outros porque estão doentes. Outros porque embriagaram-se.
... Eu não preocupo-me com os homens delas. Se fazem bailes eu não compareço porque não gosto de dançar. Só interfiro-me nas brigas onde prevejo um crime. Não sei a origem desta antipatia por mim. Com os homens eu tenho um olhar duro e frio. O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.
...Tem um adolescente por nome Julião que as vezes expanca o pai. Quando bate no pai é com tanto sadismo e prazer. Acha que é invencivel. Bate como se estivesse batendo num tambor. O pai queria que êle estudasse para advocacia (...) Quando o Julião vai preso o pai acompanha com os olhos rasos dagua. Como se estivesse acompanhando um santo no andor. O Julião é revoltado, mas sem motivo. Êles não precisa residir na favela. Tem casa no Alto de Vila Maria.
... As vezes mudam algumas familias para a favela com crianças. No inicio são iducadas amaveis. Dias depois usam calão, são soezes e repugnantes. São diamantes que transformam em chumbo. Trasformam-se em objetos que estavam na sala de visitas e foram para o quarto de despejo.
... Para mim o mundo em vez de evoluir está retornando a primitividade. Quem não conhece a fome há de dizer: "Quem escreve isto é louco". Mas quem passa fome há de dizer:
- Muito bem, Carolina. Os generos alimenticios deve ser ao alcance de todos."
Amanheceu garoando. O Sol está elevando-se. Mas o seu calor não dissipa o frio. Eu fico pensando: tem epoca que é o Sol que predomina. Tem epoca que é a chuva. Tem epoca que é o vento. Agora é a vez do frio.E entre êles não deve haver rivalidades. Cada um por sua vez.
Abri a janela e vi as mulheres que passam rapidas com seus agasalhos descorados e gastos pelo tempo. Daqui a uns tempos êstes palitol que elas ganharam de outras e que de há muito devia estar num museu, vão ser substituidos por outros. É os politicos que há de nos dar. Devo incluir-me, porque tambem sou favelada. Sou rebotalho. Estou no quarto de despejo, e o que está no quarto de despejo ou queima-se ou joga-se no lixo.
... As mulheres que eu vejo passar vão nas igrejas buscar pão para os filhos. Que o Frei Luiz lhes dá, enquanto os espôsos permanecem debaixo das cobertas. Uns porque não encontram emprego. Outros porque estão doentes. Outros porque embriagaram-se.
... Eu não preocupo-me com os homens delas. Se fazem bailes eu não compareço porque não gosto de dançar. Só interfiro-me nas brigas onde prevejo um crime. Não sei a origem desta antipatia por mim. Com os homens eu tenho um olhar duro e frio. O meu sorriso, as minhas palavras ternas e suaves, eu reservo para as crianças.
...Tem um adolescente por nome Julião que as vezes expanca o pai. Quando bate no pai é com tanto sadismo e prazer. Acha que é invencivel. Bate como se estivesse batendo num tambor. O pai queria que êle estudasse para advocacia (...) Quando o Julião vai preso o pai acompanha com os olhos rasos dagua. Como se estivesse acompanhando um santo no andor. O Julião é revoltado, mas sem motivo. Êles não precisa residir na favela. Tem casa no Alto de Vila Maria.
... As vezes mudam algumas familias para a favela com crianças. No inicio são iducadas amaveis. Dias depois usam calão, são soezes e repugnantes. São diamantes que transformam em chumbo. Trasformam-se em objetos que estavam na sala de visitas e foram para o quarto de despejo.
... Para mim o mundo em vez de evoluir está retornando a primitividade. Quem não conhece a fome há de dizer: "Quem escreve isto é louco". Mas quem passa fome há de dizer:
- Muito bem, Carolina. Os generos alimenticios deve ser ao alcance de todos."
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Conselhos ao Estado
Ú L T I M A H O R A
1. Tendo tomado conhecimento de que uma das rubricas em que não houve acordo "entre as partes" foi a respeitante às despesas com material de escritório, sugere-se que, num gesto simbólico de boa vontade, os portugueses entreguem, com urgência, ao Governo o eventual "stock" de esferográficas, lápis, canetas e outros materiais de consumo corrente que lhes tenham sido oferecidos com fins exclusivamente publicitários;
2. Para obviar à compra de imóveis, perdão, à compra de móveis, alvitra-se a entrega às autoridades de todos os monos que cada português possa ter a ocupar espaço em suas casas. Evitar-se-iam deste modo, por um lado, gastos com a respectiva recolha pública e, mais importante, ficaria mais rico o nacional património mobiliário, m o b i l i á r i o;
3. Para quem utiliza pouco o seu carro utilitário, propõe-se a respectiva permuta temporária com os brutos carros do Estado, aliviando deste modo o erário público e dando, de vez em quando, aos privados de tudo o usufruto episódico de uma bomba (carro de alta cilindrada, claro);
4. Faz-se notar que, nos transportes públicos de todo o país, deveriam ser garantidos lugares sentados aos membros do Governo que, num gesto de grande abertura democrática, optassem por esse meio para as suas deslocações de rotina;
5. Mais se propõe: sejam reabilitados todos os fontanários do país para que se possa perceber inequivocamente quem é que, afinal, mete água;
6. Por parecer democrático, aconselha-se que as reuniões informais entre governantes se passem a fazer, não em instalações com altos custos de funcionamento, mas, por exemplo, sempre que não haja, por exemplo, o incómodo do peixe, à porta fechada, no Mercado da Ribeira ou congénere;
7. Finalmente, talvez não fosse má ideia incentivar, a nível autárquico, a realização de quermesses a favor do Estado.
1. Tendo tomado conhecimento de que uma das rubricas em que não houve acordo "entre as partes" foi a respeitante às despesas com material de escritório, sugere-se que, num gesto simbólico de boa vontade, os portugueses entreguem, com urgência, ao Governo o eventual "stock" de esferográficas, lápis, canetas e outros materiais de consumo corrente que lhes tenham sido oferecidos com fins exclusivamente publicitários;
2. Para obviar à compra de imóveis, perdão, à compra de móveis, alvitra-se a entrega às autoridades de todos os monos que cada português possa ter a ocupar espaço em suas casas. Evitar-se-iam deste modo, por um lado, gastos com a respectiva recolha pública e, mais importante, ficaria mais rico o nacional património mobiliário, m o b i l i á r i o;
3. Para quem utiliza pouco o seu carro utilitário, propõe-se a respectiva permuta temporária com os brutos carros do Estado, aliviando deste modo o erário público e dando, de vez em quando, aos privados de tudo o usufruto episódico de uma bomba (carro de alta cilindrada, claro);
4. Faz-se notar que, nos transportes públicos de todo o país, deveriam ser garantidos lugares sentados aos membros do Governo que, num gesto de grande abertura democrática, optassem por esse meio para as suas deslocações de rotina;
5. Mais se propõe: sejam reabilitados todos os fontanários do país para que se possa perceber inequivocamente quem é que, afinal, mete água;
6. Por parecer democrático, aconselha-se que as reuniões informais entre governantes se passem a fazer, não em instalações com altos custos de funcionamento, mas, por exemplo, sempre que não haja, por exemplo, o incómodo do peixe, à porta fechada, no Mercado da Ribeira ou congénere;
7. Finalmente, talvez não fosse má ideia incentivar, a nível autárquico, a realização de quermesses a favor do Estado.
Por favor, não enganem o Zé!...
Um país é, acima de tudo, um espaço com pessoas que, se forem fisicamente débeis, não aguentam as eventuais epidemias ou pneumonias que lhes cheguem... Contudo, sei pouco disso. O que sei, e posso afirmar, é que, na minha família não conheci, ou conheço, quem quer que seja que tenha vivido de rendimentos que não cheirassem a suor...
Portanto, o que, enquanto cidadão, e contribuinte, exijo saber é quem é que abusou da minha/nossa confiança e agora me/nos vem dizer que me/nos tem que tirar o que ganhei/ganhámos a trabalhar. A TRABALHAR, meus senhores.
Se me/nos mentiram, por mim, tentarei aguentar, mas com uma condição: em tempo oportuno, cadeia, CADEIA para os infractores. Entretanto, quem está "preso" sou eu, somos nós - os pagantes... Numa "gaiola" colorida.
Sem revolução, obviamente, que essa é sempre o Zé que paga. Ou um Salazar que vem...
Portanto, o que, enquanto cidadão, e contribuinte, exijo saber é quem é que abusou da minha/nossa confiança e agora me/nos vem dizer que me/nos tem que tirar o que ganhei/ganhámos a trabalhar. A TRABALHAR, meus senhores.
Se me/nos mentiram, por mim, tentarei aguentar, mas com uma condição: em tempo oportuno, cadeia, CADEIA para os infractores. Entretanto, quem está "preso" sou eu, somos nós - os pagantes... Numa "gaiola" colorida.
Sem revolução, obviamente, que essa é sempre o Zé que paga. Ou um Salazar que vem...
"Cartas do meu avô" *
"Mónica
Sabes o que é um cardiógrafo? Não? Calculas. Ainda bem. Pois eu "sei": é um aparelhómetro que serve para registar os movimentos próprios do coração: "variações de forma, de volume, de consistência, etc". Trata-se de uma invenção moderna a que me entrego regularmente para que um médico especialista consiga ler como vai o meu "relógio".
Ora, um dia destes, comentando, leigo na matéria, com o Prof. Carlos Ribeiro, a meu ver, "a progressiva simplicidade e sensibilidade dos cardiógrafos actuais" quando comparados com aqueles a que me deixei ligar há uma, duas décadas, fui surpreendido com a pronta e, logo ali, fundamentada informação de que, no que respeita à sensibilidade do dito cujo, a coisa...não tinha melhorado... Isto é, afinal, os cardiógrafos de há uns anos atrás eram muito mais sensíveis do que os actuais!... De tal modo que captavam não só o "funcionamento" do coração, mas os impulsos eléctricos que "circulavam" à volta do paciente... Por outra palavras, incluíam na informação que forneciam ao médico, não apenas o registo gráfico dos movimentos do coração, dos ruídos cardíacos, etc, como uma boa parte do que, no campo eléctrico, se passava fora do coração observado. Resumindo, houve que, segundo o professor, ao longo das últimas décadas, "humanizar" os cardiógrafos, cuja hipersensibilidade inicial falseava a realidade pretendida: no caso, "sabiam" mais do que o fundamental... Foram, por isso, necessárias repetidas aproximações até chegar a um aceitável, ajustada que terá sido a sensibilidade maquinal à "verdade" desejada, sem excessos desvirtuadores.
E é isto. Achei curioso e quis dizer-to. Tanto mais que na vida, não raro, também é assim: exageramos nas avaliações, metendo no mesmo saco factores que só complicam o essencial dos nossos conceitos - às vezes, perigosamente, hipersensíveis."
* A aguardar eventual publicação.
Sabes o que é um cardiógrafo? Não? Calculas. Ainda bem. Pois eu "sei": é um aparelhómetro que serve para registar os movimentos próprios do coração: "variações de forma, de volume, de consistência, etc". Trata-se de uma invenção moderna a que me entrego regularmente para que um médico especialista consiga ler como vai o meu "relógio".
Ora, um dia destes, comentando, leigo na matéria, com o Prof. Carlos Ribeiro, a meu ver, "a progressiva simplicidade e sensibilidade dos cardiógrafos actuais" quando comparados com aqueles a que me deixei ligar há uma, duas décadas, fui surpreendido com a pronta e, logo ali, fundamentada informação de que, no que respeita à sensibilidade do dito cujo, a coisa...não tinha melhorado... Isto é, afinal, os cardiógrafos de há uns anos atrás eram muito mais sensíveis do que os actuais!... De tal modo que captavam não só o "funcionamento" do coração, mas os impulsos eléctricos que "circulavam" à volta do paciente... Por outra palavras, incluíam na informação que forneciam ao médico, não apenas o registo gráfico dos movimentos do coração, dos ruídos cardíacos, etc, como uma boa parte do que, no campo eléctrico, se passava fora do coração observado. Resumindo, houve que, segundo o professor, ao longo das últimas décadas, "humanizar" os cardiógrafos, cuja hipersensibilidade inicial falseava a realidade pretendida: no caso, "sabiam" mais do que o fundamental... Foram, por isso, necessárias repetidas aproximações até chegar a um aceitável, ajustada que terá sido a sensibilidade maquinal à "verdade" desejada, sem excessos desvirtuadores.
E é isto. Achei curioso e quis dizer-to. Tanto mais que na vida, não raro, também é assim: exageramos nas avaliações, metendo no mesmo saco factores que só complicam o essencial dos nossos conceitos - às vezes, perigosamente, hipersensíveis."
Foto-exemplo de "hipersensibilidade" (leia-se excitação) na captação, no caso, externa, da imagem... |
Sintra - "Louvar Amar" ( II )
Vergílio Ferreira (com a devida vénia):
(...) "Porque a vida do ermo, solitária e apartada, é vida angelical, mas a vida da cidade é ruído do infernal". Não será possível sabê-lo no fresco repouso da sua sombra? Porque é no silêncio repousado que a meditação tem melhor voz de se ouvir. Mas o inferno insiste em voltar sob a forma do trânsito e do ruído. E com eles a poluição dos ares deste verdadeiro locus amoenus de que variamente nos fala a literatura medieval latina. Até quando a vilegiatura de Sintra se manteve na suspensão de tudo quanto a perturbava, mesmo da mundialização imposta das praias. Porque a praia é uma invenção dos começos do século passado. A imagem dessa vilegiatura era a de um senhor composto num vestuário de rigor como o era o das suas damas. Porque a frescura dos bosques era bastante para a canícula não ter razão e a reserva do corpo se cumprir. Mas a praia desautorizou essa compustura e severidade. E Sintra, renovada no paganismo, é hoje um compromisso entre as ninfas discretas da solidão desses bosques e as nereidas da nudez solar.
Nâo é possível pedir-se a prevalência de uma sobre as outras. Mas de pedir ou desejar que a cidade a não invada com o desembaraço expeditivo de quando expulsa dela o paraíso para o inferno entrar. Que esse inferno passe de largo com a perda de esperança, para que ela e o mais aqui continuem. Porque, como numa mesquita ou em certas salas reservadas, há que deixar à porta o que de impureza arrastamos com os pés. Ou como num atelier, como Picasso dizia, é necessário deixar à entrada tudo o que seja perturbação para a arte se cumprir.
Pagã ou cristã ou mesmo moura, Sintra tem o sagrado do outro lado da vida imediata e utilitária. A convulsão apazigua-se, o ruído afoga-se no silêncio da floresta, o tempo abranda-se numa lentidão genesíaca. Um banco e uma sombra tranquiliza-nos do nosso excesso e é possível então ouvir em nós a voz de outras vozes ensurdecerem. Amar o seu silêncio, a frescura inicial da alma, a História e monumentos feitos elementos da Natureza. Amar a legenda sempre recente, a memória breve, a iniciação à alegria que não cansa.
Louvar Sintra. Amar Sintra."
Fontanelas, 18 de Junho de 1994
(...) "Porque a vida do ermo, solitária e apartada, é vida angelical, mas a vida da cidade é ruído do infernal". Não será possível sabê-lo no fresco repouso da sua sombra? Porque é no silêncio repousado que a meditação tem melhor voz de se ouvir. Mas o inferno insiste em voltar sob a forma do trânsito e do ruído. E com eles a poluição dos ares deste verdadeiro locus amoenus de que variamente nos fala a literatura medieval latina. Até quando a vilegiatura de Sintra se manteve na suspensão de tudo quanto a perturbava, mesmo da mundialização imposta das praias. Porque a praia é uma invenção dos começos do século passado. A imagem dessa vilegiatura era a de um senhor composto num vestuário de rigor como o era o das suas damas. Porque a frescura dos bosques era bastante para a canícula não ter razão e a reserva do corpo se cumprir. Mas a praia desautorizou essa compustura e severidade. E Sintra, renovada no paganismo, é hoje um compromisso entre as ninfas discretas da solidão desses bosques e as nereidas da nudez solar.
Nâo é possível pedir-se a prevalência de uma sobre as outras. Mas de pedir ou desejar que a cidade a não invada com o desembaraço expeditivo de quando expulsa dela o paraíso para o inferno entrar. Que esse inferno passe de largo com a perda de esperança, para que ela e o mais aqui continuem. Porque, como numa mesquita ou em certas salas reservadas, há que deixar à porta o que de impureza arrastamos com os pés. Ou como num atelier, como Picasso dizia, é necessário deixar à entrada tudo o que seja perturbação para a arte se cumprir.
Pagã ou cristã ou mesmo moura, Sintra tem o sagrado do outro lado da vida imediata e utilitária. A convulsão apazigua-se, o ruído afoga-se no silêncio da floresta, o tempo abranda-se numa lentidão genesíaca. Um banco e uma sombra tranquiliza-nos do nosso excesso e é possível então ouvir em nós a voz de outras vozes ensurdecerem. Amar o seu silêncio, a frescura inicial da alma, a História e monumentos feitos elementos da Natureza. Amar a legenda sempre recente, a memória breve, a iniciação à alegria que não cansa.
Louvar Sintra. Amar Sintra."
Fontanelas, 18 de Junho de 1994
Propriedade horizontal
Óleo de Emília Alves |
Nâo sei. O que sei é que é cada vez mais difícil uma coisa simples: o equilíbrio. Equilíbrio que se impõe até pela falta dele fora do "último reduto" que se exige acima de todas as frustrações do dia-a-dia "externo".
Propriedade horizontal para gente vertical é o desafio, onde a velha moradia é coisa de outros tempos...
Ver mensagem pessoal no FACEBOOK.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Sintra - "Louvar Amar" ( I )
Óleo de Emília Alves |
Com a devida vénia, em dois "posts":
"Sintra é o mais belo adeus da Europa quando enfim encontra o mar. Camões o soube quando os seus navegadores a fixaram como a última memória da terra, antes de não verem mais que "mar e céu". E, no entanto, ou por isso, o espaço que ela nos abre não é o da infinidade mas o do que a limita a um envolvimento de repouso. Alguém a trouxe de um paraíso perdido ou de uma ilha dos amores para uma serenidade de amar. Ela é assim o refúgio de nós próprios e de todo o excesso que nos agride ou ameaça. O sagrado dos seus bosques de frescura e de sombra não se nos interioriza como o espaço de uma catedral, mas exterioriza-se em acalmia de uma mitologia pagã. As ninfas que habitaram estes bosques, deixaram, ao abandoná-los, a memória física de um prazer sensível.
Sintra é o único lugar do país em que a História se fez jardim. Porque toda a sua legenda converge para aí e os seus próprios monumentos falam menos do passado do que um eterno presente de verdura. E a memória do que foi mesmo em tragédia desvanece-se no ar ou reverdece numa hera de um muro antigo.
Em Sintra não se morre - passa-se vivo para o outro lado. Porque a morte é impossível no vigor da beleza. E a memória do qe se passou fica nela para colaborar.
Eu disse que as ninfas abandonaram estes bosques. Mas não é de todo improvável que voltemos a encontrá-las.Como todas as divindades pagãs que nasceram para perdurarem no eterno da juventude. O aviso de Dante para abandonarmos as esperanças às portas do Inferno, inverteria aqui o sentido para se entrar no Paraíso. E não precisaríamos para no-lo iluminar, porque estaria invisível no visível de outra beleza. O que deixamos à porta é o excesso do que nos oprime e convulsiona e incendeia as noites de insónia. O que deixamos à porta é justamente o Inferno.
Possível é assim que os olhos já cristinializados neste bosque deleitoso medievo os seus anjos mensageiros, educadores da Justiça, Fortaleza e outras virtudes que lá nos faltam (...)."
Palavras em saldo
13º DIA
1923
"Estamos na Mongólia, país onde os verdadeiros proprietários pastores (...) são gradualmente repelidos (ao longo do rio) pelos colonos chineses, que esgaravatam a terra e estragam o país em vez de o valorizarem (destroem o velho solo das estepes sem consciência, cortam as raras árvores que restam, soltam areias e fazem nascer dunas, e assim aceleram a formidável erosão destas regiões)."
Teilhard de Chardin in "Cartas de Viagem"
1923
"Estamos na Mongólia, país onde os verdadeiros proprietários pastores (...) são gradualmente repelidos (ao longo do rio) pelos colonos chineses, que esgaravatam a terra e estragam o país em vez de o valorizarem (destroem o velho solo das estepes sem consciência, cortam as raras árvores que restam, soltam areias e fazem nascer dunas, e assim aceleram a formidável erosão destas regiões)."
Teilhard de Chardin in "Cartas de Viagem"
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
"Quarto de despejo" - César supera César...
Carolina Maria de Jesus, a favelada-escritora, disse o que disse para desabafar, mas os que cá estão agora votam e precisam de saber. Por tudo, o obrigado fica na publicação do que escreveu, enquanto for necessário. E hoje é necessário - EM PORTUGAL.
"... O João entrou dizendo que estava com dor de barriga. Percebi que foi por êle ter comido melancia deturpada. Hoje jogaram um caminhão de melancia perto do rio.
Não sei porque é que comerciantes inconscientes vem jogar seus produtos aqui perto da favela, para as crianças ver e comer.
... Na minha opinião os atacadistas de S. Paulo estão se divertindo com o povo igual os Cesar quando torturava os cristãos. Só que o César da atualidade supera o Cesar do passado. Os outros era perseguido pela fé. E nós, pela fome!
Naquela epoca, os que não queriam morrer deixavam de amar a Cristo.
Mas nós não podemos deixar de comer."
"... O João entrou dizendo que estava com dor de barriga. Percebi que foi por êle ter comido melancia deturpada. Hoje jogaram um caminhão de melancia perto do rio.
Não sei porque é que comerciantes inconscientes vem jogar seus produtos aqui perto da favela, para as crianças ver e comer.
... Na minha opinião os atacadistas de S. Paulo estão se divertindo com o povo igual os Cesar quando torturava os cristãos. Só que o César da atualidade supera o Cesar do passado. Os outros era perseguido pela fé. E nós, pela fome!
Naquela epoca, os que não queriam morrer deixavam de amar a Cristo.
Mas nós não podemos deixar de comer."
Chiado - documentos
domingo, 24 de outubro de 2010
ruadojardim - para os devidos efeitos...
Uma "explicação" eventualmente desnecessária.
Quem, simpático, se encontra comigo neste "banco do jardim" já, por certo, percebeu a "orientação" que tento dar a este espaço de "ser e estar".
Permita-se-me, contudo, a (minha) síntese: está no "post" anterior (o da ópera no Café), "transcrito" do
Youtube, em que a cultura "servida" é coisa de ar livre, em mangas de camisa...
Não se espere mais. O "Acerca de Mim", não me deixa mentir, creio. Noto apenas o entusiasmo crescente que tenho vindo a sentir ao conhecer a simpatia das visualizações que me chegam nas estatísticas Google.
Quem, simpático, se encontra comigo neste "banco do jardim" já, por certo, percebeu a "orientação" que tento dar a este espaço de "ser e estar".
Permita-se-me, contudo, a (minha) síntese: está no "post" anterior (o da ópera no Café), "transcrito" do
Youtube, em que a cultura "servida" é coisa de ar livre, em mangas de camisa...
Não se espere mais. O "Acerca de Mim", não me deixa mentir, creio. Noto apenas o entusiasmo crescente que tenho vindo a sentir ao conhecer a simpatia das visualizações que me chegam nas estatísticas Google.
Obrigado. Muito obrigado! |
"Quarto de despejo" - o senhor Manoel apareceu...
"... Deixei o leito as 4 horas e fui carregar agua. Liguei o radio para ouvir o programa de tango. (...) O senhor Manuel disse que não vinha mais e apareceu. Êle penetrou na agua para chegar até o meu barracão. Resfriou-se.
Hoje eu estou contente. Ganhei dinheiro. Contei até 300! Hoje eu vou comprar carne. Atualmente quando o pobre come carne fica rindo atôa."
Hoje eu estou contente. Ganhei dinheiro. Contei até 300! Hoje eu vou comprar carne. Atualmente quando o pobre come carne fica rindo atôa."
Brasil - na hora da eleição do Presidentche...
A fonte é antiga (Jornal do Brasil, Maio de 1979), mas...
Rocinha, cidade aberta à luta, à vala e ao mutirão
Lena Frias
"Mais que uma favela, a Rocinha, que começa à saída do túnel Dois Irmãos, em São Conrado, e cresce morro da Gávea acima, descendo depois para os lados da Gávea Pequena, é um gueto nordestino (oito cearenses e três paraibanos em cada 14 pessoas (...).
O Rio de Janeiro é uma cidade sitiada por outra cidades denominadas favelas.
Cidade da Rocinha. Seiscentos e nove mil metros quadrados, a maior parte pertencente a uma falida companhia Castro Guidão e que, por usocapião, já poderá pertencer aos moradores.
(...) Como toda a cidade, a Rocinha é dividida em bairros (...).Intrincadas malhas de vielas, becos. Três mil casas de comércio, na parte alta, absorvendo semanalmente 10 mil caixas de cerveja. Outras 121 casas de comércio na parte baixa, Bairro de Barcelos, onde há de tudo, exceto banco. Sessenta ocorrências mensais registradas no Posto Policial da Estrada da Gávea, a maioria delas, auxílios públicos.
(...) Cidade da Rocinha. Trinta mil eleitores (...) onde vota a maior parte dos moradores da área.Quem não vota não o faz ou porque é criança ou analfabeto, ou ainda não conseguiu a transferência do título.
(...) Ali não há água nem luz. As cinco bicas visíveis por quem passa na estrada que sai do Túnel Dois Irmãos exibem paisagem de lavadeiras a bater pano, bater pano. Meninas com rodilhas na cabeça, equilibram, morro acima, grandes latas de água. Homens carregam caçambas duplas, ligadas por uma vara sobre os ombros.
(...) Cidade da Rocinha, hábitos sexuais livres, como na maioria das favelas, mas moral rigida, como acontece na maioria das favelas. Aos 12, 13 anos "quando não é da família" a garota deixa de ser virgem. Os casamentos de véu e grinalda são na igreja de São Conrado. O pessoal da polícia conta, morrendo de rir, o caso de um deles: a noiva no altar da capelinha azul, esperando em São Conrado, e o noivo detido por eles, os policiais, "por falta de documentos".
(...) Cidade da Rocinha. Capital, bairro de Barcelos. Personagem principal: a Vala, assim, em caixa alta. Vala de todos os lugares, de todas as águas. Vala de todos os dejetos, todas as sujeiras, todas as ratazanas, todos os cheiros. Recentemente, 300 garis da Comlurb (Companhia Estadual de Limpeza Urbana) estiveram na Rocinha, enfeitando a paisagem com os seus uniformes cor de abobora. Só coloriram.
(...) Rocinha, onde a palavra mais forte é mutirão. Todos os sábados e domingos, o sagrado é multirão, o povo reunindo-se para limpar as valas, impregnar-se de doenças de pele (...)."
Alô, Presidentche! Como é?... Estamos em 2010. Precisa de enfeitar, precisa?... Precisa de colorir, precisa?... Que diz o Redentor, aí em frente? Você se confessou antes de se candidatá?
Boa sorte, Brasiú!
Rocinha, cidade aberta à luta, à vala e ao mutirão
Lena Frias
"Mais que uma favela, a Rocinha, que começa à saída do túnel Dois Irmãos, em São Conrado, e cresce morro da Gávea acima, descendo depois para os lados da Gávea Pequena, é um gueto nordestino (oito cearenses e três paraibanos em cada 14 pessoas (...).
O Rio de Janeiro é uma cidade sitiada por outra cidades denominadas favelas.
Cidade da Rocinha. Seiscentos e nove mil metros quadrados, a maior parte pertencente a uma falida companhia Castro Guidão e que, por usocapião, já poderá pertencer aos moradores.
(...) Como toda a cidade, a Rocinha é dividida em bairros (...).Intrincadas malhas de vielas, becos. Três mil casas de comércio, na parte alta, absorvendo semanalmente 10 mil caixas de cerveja. Outras 121 casas de comércio na parte baixa, Bairro de Barcelos, onde há de tudo, exceto banco. Sessenta ocorrências mensais registradas no Posto Policial da Estrada da Gávea, a maioria delas, auxílios públicos.
(...) Cidade da Rocinha. Trinta mil eleitores (...) onde vota a maior parte dos moradores da área.Quem não vota não o faz ou porque é criança ou analfabeto, ou ainda não conseguiu a transferência do título.
(...) Ali não há água nem luz. As cinco bicas visíveis por quem passa na estrada que sai do Túnel Dois Irmãos exibem paisagem de lavadeiras a bater pano, bater pano. Meninas com rodilhas na cabeça, equilibram, morro acima, grandes latas de água. Homens carregam caçambas duplas, ligadas por uma vara sobre os ombros.
(...) Cidade da Rocinha, hábitos sexuais livres, como na maioria das favelas, mas moral rigida, como acontece na maioria das favelas. Aos 12, 13 anos "quando não é da família" a garota deixa de ser virgem. Os casamentos de véu e grinalda são na igreja de São Conrado. O pessoal da polícia conta, morrendo de rir, o caso de um deles: a noiva no altar da capelinha azul, esperando em São Conrado, e o noivo detido por eles, os policiais, "por falta de documentos".
(...) Cidade da Rocinha. Capital, bairro de Barcelos. Personagem principal: a Vala, assim, em caixa alta. Vala de todos os lugares, de todas as águas. Vala de todos os dejetos, todas as sujeiras, todas as ratazanas, todos os cheiros. Recentemente, 300 garis da Comlurb (Companhia Estadual de Limpeza Urbana) estiveram na Rocinha, enfeitando a paisagem com os seus uniformes cor de abobora. Só coloriram.
(...) Rocinha, onde a palavra mais forte é mutirão. Todos os sábados e domingos, o sagrado é multirão, o povo reunindo-se para limpar as valas, impregnar-se de doenças de pele (...)."
Alô, Presidentche! Como é?... Estamos em 2010. Precisa de enfeitar, precisa?... Precisa de colorir, precisa?... Que diz o Redentor, aí em frente? Você se confessou antes de se candidatá?
Boa sorte, Brasiú!
sábado, 23 de outubro de 2010
Perplexidades
Da imprensa:
"Moscovo, 22 Out. (EFE) - Magnatas do mundo inteiro encontram-se a partir de hoje na tradicional Feira de Milionários de Moscovo, que reune na capital russa os artigos mais exclusivos a preços impensáveis para a maioria dos mortais (...)."
Como é que, no início da década de 90 do século XX, em que se dizia oficialmente que"não havia ricos na URSS", surge, vinte anos depois, uma feira em Moscovo onde só os milionários têm capacidade económica para entrar - e comprar?...
Será apenas a "exploração do homem pelo homem" - estrangeiro?
"Moscovo, 22 Out. (EFE) - Magnatas do mundo inteiro encontram-se a partir de hoje na tradicional Feira de Milionários de Moscovo, que reune na capital russa os artigos mais exclusivos a preços impensáveis para a maioria dos mortais (...)."
Como é que, no início da década de 90 do século XX, em que se dizia oficialmente que"não havia ricos na URSS", surge, vinte anos depois, uma feira em Moscovo onde só os milionários têm capacidade económica para entrar - e comprar?...
Será apenas a "exploração do homem pelo homem" - estrangeiro?
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