terça-feira, 19 de março de 2013

Do lido, o sublinhado ( 27 )












M. Teixeira Gomes in Miscelânea

"Eu sou daqueles a quem a imaginação mais facilmente domina, mas na mais consentida e amada escravidão. Devo-lhe o melhor da minha vida, essa faculdade de me evadir sem esforço do círculo de abjecção e miséria moral que a sociedade, incessantemente, reforça e aperta em volta dos nossos mais nobres sentimentos, com tal poder esterilizador, que a comezinha prática da justiça, do bem, e do belo, se converte em utopia inexequível e grotesca. A imaginação me suavizou e aformoseou a existência, e se uma ou outra vez me extraviou pelos caminhos do absurdo, foi sempre através desses arcos festivos, que a fantasia levanta e enrama de mil ararbescos engenhosos, transformando-os por completo, até ao ponto de tornar plausivel à arte o que a razão repele. Já não falo no que foi o perpétuo sonho acordado da minha infância, nem na milagrosa exploração do pensamento pelo infinito reino da quimera, durante as horas em que, na mocidade, eu contemplava os páramos celestes, ou embalado pelas ondas do mar cheio de sol, ou imóvel, sob o recamo cintilante dos astros nocturnos; refiro-me à época das responsabilidades indeclináveis, quando o contacto e a colaboração de todos os elementos sociais nos é indispensável, obrigando-nos a afivelar a máscara sem a qual seríamos considerados e tratados como réprobos. Nas crises mais agudas e aflitivas de náusea e descrença, encontrava, no refúgio sempre acolhedor da imaginação, remédio para todos os males, conserto para situações irreparáveis, restauração plena das forças perdidas e já declaradas insubstituíveis."

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