quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Antologia da gente que passa ( 7 ) - Este Setembro, meu Amigo

Lembrar Augusto de Castro, na esperança de não afastar da rua os dos males da pressa de que se morre - em Portugal e ... e um pouco por toda a parte ...

"Este Setembro é maravilhoso.Por essas estradas fora, o verão despede-se lentamente, com uma volúpia que demora uma carícia em cada olhar, um longo e palpitante beijo de luz em cada sombra, uma nostalgia, redobrada e viva, no cálido abandono do partir.

Há invisíveis lenços brancos que dizem "até à vista" pela esparsa claridade deste declinar do ano, sobre as encostas e vinhedos, entumecidos ainda de cor. No azul desbotado do céu, sob um sol sem fogo, apenas por esses campos o verde tem frescuras de água e, aqui e além, nos milharais tardios e nas parreiras, viúvas dos últimos cachos, a fronde das folhas tomou reflexos avermelhados dos de cobre.


Os olivais dir-se-iam polvilhados, muito ao de leve, de pequeninos reflexos de prata. A folhagem dos pinheirais vestiu-se de esmeralda. A Natureza depois do noivado do estio, repousa o corpo úbero, esgotado pelo esforço dionisíaco das seivas. A terra despiu o seu manto de flores, vestiu-se de frutos - os frutos rasteiros que doiram o solo, a fulva e ardente ondulação das searas, as árvores carregadas de sumos nupciais.


As tardes então têm doçuras de écloga. A sinfonia sonora de Agosto perdeu-se, a pouco e pouco, na distância. Substituiu-a uma orquestra nova, espécie de música de câmara que, em surdina, envolve, de violinos misteriosos, de acordes suspensos e incompletos o tablado imenso das cores, o melodioso aconchegar das coisas, a canção doce e desgarrada das águas e dos ninhos.


Respiram melhor as bouças. As fontes começam nos cômoros e nas várzeas o seu diálogo de outono com o crepúsculo. A própria lua, em certos diáfanos poentes, tem pressa de vir saudar o sol e chega mais cedo, fugida da noite, mais branca do que nunca, bola de prata suspensa no azul do espaço, como uma cerâmica de Lucca della Robia.


Setembro é o mais belo paisagista. Ei-lo que, com a sua paleta de oiro, começa a pôr tudo em ordem, a desenhar o que ontem ainda, sob a máscara rubra do verão, era azáfama e mancha e a dar-lhe pormenor, leveza, aguarela. Aqui era uma curva da estrada que a poeira de Agosto encobria - e volta agora, entre castanheiros e olmeiros, a debroar dum colar cinzento, na planície calma, aqueles choupos que marcam, ao longe, a verde palpitação dum rio.


... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...  


E depois há o mar. Há as praias em que a areia se tornou mais fina, a água mais lisa e o pôr do Sol ganhou em doçura o que perdeu em lentidão e em cor. Desde que a luz começa a esbater-se e a avermelhar-se sobre a água, vem de longe o arrepio salino da brisa e das marés. A faina das redes e das barcas povoa as ondas, picadas de espuma, que sacodem sobre o dorso azul-cinzento a sua cabeleira de pérolas. Uma inquietação precoce rejuvenesce a distância, torna o ar mais fino, mais áspero, mais do largo.


E, por essas manhãs, todas de oiro, é ver a quermesse dos últimos banhistas sobre esses areais, despedindo-se da graça mitológica que encheu de tritões e de náiades, durante o verão, a orla colorida da beira-mar. O banho mais curto, na água - mais longa e envolvente a carícia do repouso ao sol que queima menos, mas que veste de oiro mais puro a pele das ninfas e a nudez em flor das crianças.


Setembro caminha por essas praias, com seus cabelos ao vento, seus pés ligeiros que bailam, entre rochedos - e seu manto de prata e púrpura estendido sobre as vagas, sobre o céu, arrastando no ar o cheiro das algas e iris triunfal da luz."

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