segunda-feira, 14 de setembro de 2015
Reler o PADRE ANTÓNIO VIEIRA (3)
"Os indios, que moram em suas aldeias com títulos de livres, são muito mais cativos que os que moram nas casas particulares dos portugueses, só com uma diferença, que cada três anos têm um novo senhor, que é o governador ou capitão-mor que vem as estas partes, o qual se serve deles como de seus, e os trata como alheios; em que vêm a estar de muito pior condição que os escravos, pois ordinariamente os ocupam em lavouras de tabaco, que é o mais cruel trabalho de quantos há no Brasil. Mandam-nos servir violentamente a pessoas, e em serviços a que não vão senão forçados, e morrem lá de puro sentimento: tiram as mulheres casadas das aldeias, e põem-nas a servir em casas particulares, com grandes desserviços de Deus e queixas de seus maridos, que depois de semelhantes jornadas muitas vezes se apartam delas; não lhes dão tempo para lavrarem e fazerem suas roças, com que eles, suas mulheres e filhos padecem e perecem; enfim em tudo são tratados como escravos, não tendo a liberdade mais que no nome, pondo-lhes nas aldeias por capitães alguns mamelucos, ou homens de semelhante condição, que são os executores destas injustiças; com que os tristes índios estão hoje quasí acabados e consumidos; e, para não acabarem de se consumir de todo, estiverem abaladas as aldeias este ano para se passarem a outras terras, onde vivessem fora desta sujeição tão mal sofrida, e sem dúvida o fizeram, se por meio de um padre, bom língua, os não reduzíramos a que esperassem nova resolução de Vossa Majestade.
As causas deste dano bem se vê que não são outras mais que a cobiça dos que governam, muito dos quais costumam dizer, que Vossa Majestade os manda cá, para que se venham remediar e pagar de seus serviços, e que eles não têm outro meio de o fazer senão este.
O remédio que isto tem (e não há outro) é mandar Vossa Majestade, que nenhum governador ou capitão-mor possa lavrar tabaco, nem outro algum género, nem por si, nem por interposta pessoa, nem ocupem, nem repartam os índios senão quando fosse para as fortificações, ou outras coisas do serviço de Vossa Majestade, nem ponham capitães nas ditas aldeias, e que elas se governem só pelos seus Principais, que são os governadores de suas nações, os quais os repartirão aos portugueses pelo estipêndio que é costume, voluntariamente, como livres, e não por força; e que, no tocante ao espiritual, visitem suas aldeias ou residam nelas, podendo ser, os religiosos, o que costumam fazer; que é a forma a que depois de muitas experiências se reduziu o governo das aldeias do Brasil, sem se intrometerem com os índios, nem os vice-reis, nem os governadores, mais que mandando-os chamar, quando eram necessários para serviço real, na paz ou na guerra: e só desta maneira se poderão conservar e aumentar as aldeias, e viver como cristãos os índios delas."
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