segunda-feira, 7 de junho de 2010

Bom dia, Joanesburgo! *

Década de 80 - era assim:


"Ruas largas - muito bem.


Estradas amplas - certo.


Ambiente lavado - óptimo.


Muitos espaços verdes à volta da cidade - excelente.


Alguns arranha-céus - sinal dos tempos


Muitas casas de um piso. O espaço é muito e a cidade só tem algumas dezenas de anos.


Depois das cinco da tarde quase não há ninguém nas ruas - um desconsolo.


Movimento à noite ou no fim-de-semana depois da uma da tarde - idem.Um desespero.


A partir do momento em que deixa de haver movimento nas ruas, apenas um ou outro negro se vê a passear na cidade. Sem comentários.


Aí está Joanesburgo, capital do ouro. Uma cidade insípida, inodora e quase incolor. Dizem-na branca, mas, de facto, parece negra, não pela paisagem física, que é assim meias-tintas, mas pelo recheio humano, que é bem escuro.


Quem do Norte de África, onde as costelas das vacas se contam por fora da pele, dá um grande salto para o Sul do continente e se detém em Joanesburgo, é evidente que não pode deixar de, olhada apenas a paisagem, se congratular com a higiene do meio em total contraste com que, por exemplo, Marrocos oferece. Contudo, para falar verdade, o ambiente assim criado não é propriamente aquele que mais convida a uma vida sadia e tranquila. E isto parecerá paradoxal se se atender às circunsâncias apontadas de ambiente lavado, espaços verdes à volta da cidade, mais prédios baixos do que altos. Talvez seja, porém, isso mesmo: excesso de aparente bem-estar ou um problema semelhante ao das iscas que sabem melhor comidas numa tasca da rua dos Correeiros do que em nossa casa.


Aliás, a população branca, de uma maneira geral, não vive na cidade. Procura os arredores onde, em moradia própria e construída a seu gosto, vive depois das cinco da tarde e no fim-de-semana. E, aí, longe também dos bairros de regros, que igualmente não são locatários da capital do ouro.Digamos, portanto, que Joanesburgo é cidade para trabalhar, nanja para viver. E, mesmo assim, a horas bem determinadas. De resto, é lugar sem chama, onde à noite alguns negros andam a pé enquanto outros procedem à limpeza da cidade.


Para o visitante estrangeiro, Joanesburgo é enfadonha: o escape é o hotel, onde um canal de televisão (a cores, excelentes) debita, em inglês ou em africanense, programas que não têm nada de especial, mas que, na falta de uma sala de diversões própria, dão um jeito...


E há quem dance ou coma e beba até rebentar, que é uma forma de, segundo alguns, a gente de divertir muito, mesmo que já não saiba que fazer...


De qualquer modo, tempo livre em Joanesburgo para passear, não é para ficar na cidade. As estradas convidam à saída (se não forem as melhores, são das melhores do mundo) e a vida começa apenas nos arredores em contacto com a verde, aberta e bem tratada paisagem circunvizinha.


Joanesburgo é, por isso, uma cidade que dorme durante muitas horas. As suas ruas fazem lembrar, por volta da meia-noite, os corredores de um grande hotel a altas horas da madrugada; de vez em quando, lá se abre uma porta e se ouve um ruído. Aliás, se Joanesburgo vive depois do sol-posto é para ser negra. De dia é branca, como lhe chamam. Os brasileiros, porém, chamar-lhe-iam, talvez mais apropriadamente, café com leite. Digamos que, para se ser mais preciso, um "garoto" escuro, muito escuro, em que alguns vêem muito café e outros leite a mais. É assim uma luta entre o café e o leite que, às vezes, se assemelha à da água com o azeite...


Entretanto, com mais ou menos café, Joanesburgo vai conseguindo internamente adoçar a gosto, embora sem respeitar o paladar internacional, cujos arautos estavam até há pouco muito preocupados com os problemas do xá...


Boa noite, Joanesburgo!"

NOTA com eventual actualização: o documentário que vi, no ano passado, na Culturgest, em Lisboa, desmente, para pior, o quadro que tracei na década de 80, mas a cidade lá está, por certo, agora, absorvida com o "ópio do futebol"... Veremos os comportamentos dos das vuvuzelas... E dos outros...

("Não temos nenhum polícia que, na estrada, não tenha já dado um tiro...", disse um dos chefes)


P.S. (antigo?):

"- Quantas pessoas trabalham neste restaurante?...


- 10 !


- 10 ?...


-  Mais trinta negras...


- Ah!..."


* in "Os Portugueses no Mundo", de M.A.

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