quarta-feira, 2 de junho de 2010

Migalhas da memória

A exposição de esculturas de Ernesto Canto da Maia (1890-1981) que, sob o título "O Escultor Português do Silêncio", esteve patente em Lisboa, na Galeria do Palácio Galveias, trouxe-me à memória a Academia de la Grande Chaumière, em Montparnasse...

Porquê?


Porque estive lá. Porquê? Porque sim!...


Escrevi-o vai para 30 anos...em 150 páginas que mantenho inéditas. Isso: saí de Lisboa rumo a Paris, a pensar apenas nos percursos "secretos", às vezes, silenciosos, dos artistas plásticos, e outros, que vivem Paris e...


"...No primeiro dia, transpôs (...) o guarda-vento da entrada do edifício cinzento da prestigiada instituição que deu nome àquela rua de Monparnasse que vê entrar há décadas nas instalações da velha Academia vagas sucessivas de artistas (...). Atravessou o atrio imediato, ladeado de "ateliers" escorrendo fama, subiu (...) os seus gastos degraus de madeira e, logo no primeiro andar, se sentiu, mais do que numa qualquer escola, numa Notre Dame, respeitada e venerada. (...) A breve trecho passou a conviver com as pequenas tertúlias dos que, como ele, consideravam incompleto tudo o que faziam no domínio artístico.


A princípio, assentava arraiais quase sempre no La Palette mas (...) era frequente vê-lo também no Le Dôme ou no La Rotonde, onde, sobretudo neste último, iam desaguar os que frequentavam as academias vivas de desenho e pintura.


Por ali haviam passado, aliás, nomes como Modigliani, Degas, Matisse, Braque, Buffet, Picasso, Dali, para não falar num Hemingway, num Trotsky e até num certo visionário chamado Lenine.

 (...) Aconselho-lhe a Academia de la Grande Chaumière, aqui em Montparnasse. Temos também a Collarossi, mas, se me permite, sugiro-lhe a de modelo nú da Chaumière. Não me pergunte porquê, mas dá-me ideia que tirará mais proveito desta do que de outra qualquer. Olhe, curiosamente, ali se travaram de amores a Vieira da Silva e o que hoje é seu marido, o excelente pintor húngaro Arpad Szenes, que já andava pela Academia quando ela para lá foi. De qualquer modo, o importante não é frequentar uma academia, o importante é frequentar Paris.

Experimente ir todos os dias à Chaumière e regressar a casa sem ter passado, pelo menos, por uma galeria de arte e sem estar uns minutos na cavaqueira connosco e aguarde... Nós é que somos a luz desta cidade! O que o meu amigo precisa é de um banho de imersão no nosso imenso meio cultural. Qual Londres, qual Nova Iorque, qual história!... Façam desaparecer Paris e verão o sarilho que arranjam... Não deixe de visitar com regularidade uma Galerie Pierre, ou uma Galerie Cardinale. Vá até à Galerie Staedler,onde expõe com frequência a vossa/nossa Vieira da Silva..."

"La Grande Chaumière" é emocionante?

É. E estava, até há dias, presente, também, nas esculturas de Ernesto Canto da Maia, no Palácio Galveias, em Lisboa. E continua visitável onde, discretamente, o artista espalhou os seus silêncios...

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