domingo, 26 de dezembro de 2010

O Prontuário

Numa altura em que, por força da força, vamos passar a escrever de maneira diferente, o Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa, de Magnus Bergström e Neves Reis, terá que, urgentemente, ceder o lugar a outro manual que nos ajude a bem escrever e bem dizer o idioma de Camões, recordo com saudade os seus autores.


Lembro-me de ambos na década de cinquenta do século passado. Eram tempos em que, assíduo da biblioteca e da tesouraria do "Diário de Notícias", Ferreira de Castro andava às voltas com "As Maravilhas Artísticas do Mundo"; em que, persistente, Armando de Aguiar não largava Caetano Beirão, a propósito de "O Mundo que os Portugueses Criaram"; em que, discreto, mas eficaz, João Gaspar Simões publicava a "História da Poesia Portuguesa";  em que, altivo e de monóculo, Carlos Selvagem se preparava para dissertar acerca do Condestrabe; em que Reynaldo dos Santos, sem se ver, trabalhava nos "Oito Séculos de Arte Portuguesa".


Magnus (Albrecht) Bergström, cabo-verdiano de nascimento, professor do Ensino Técnico, ele próprio autor de, entre outros títulos, "Coitas de Amor", "Amor e Saudade em Portugal" e "Alcovas de Antanho", chefiava, então, a Editorial Notícias. Apaixonado da obra camoniana, estou a vê-lo nos corredores do edifício do "Diário de Notícias", ora como que nas nuvens, ora vibrante, lendo as últimas passagens do manuscrito das "Coitas de Amor"ao seu amigo e compadre (ouvinte atento), Filomeno de Sousa Leite, cuja tese sobre o Saneamento do Escudo não passara no doutoramento pela Universidade de Lisboa e que vivia humilde e dedicado à investigação e ensino e a uma secção de controlo contabilístico, na empresa proprietária do DN.


De (Raúl) Neves Reis, jornalista e chefe de redacção do "Mundo Desportivo", a memória que tenho é menos viva. Recordo-o na biblioteca do"Diário de Notícias", mas a imagem que me ficou é a de um homem recatado, sóbrio, mais dado ao estudo do que às emoções dos estádios, que, por dever de ofício, acompanhou. Ignoro se, no Prontuário, a sua colaboração prática foi muito além do Vocabulário Desportivo, mas tenho a sensação de que Magnus Bergström, suave, teve sempre em Neves Reis o companheiro de equipa, decidido e rigoroso que se impunha.


Certidão:


Bergström, viveu de 18 de Outubro de 1880 a 11 de Julho de 1960; Reis, de 11 de Outubro de 1890 a 18 de Agosto de 1960. Trabalharam anos a fio para que, anos a fio, o seu Guia...guiasse.


De facto.
De fato.
Paz à sua alma.






Nota de rodapé: este apontamento foi publicado na imprensa em 1991! Retoma-se. Será agora?

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