segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O sapateiro-cicerone que cuidava do património municipal

Já vinha a sair da capela , quando, solicito, da porta ao lado, um dos que me vira entrar minutos antes, com ar forasteiro, me olhou fixamente e meteu conversa:

- Gostou da igreja?...

- Gostei... - respondi, seco, surpreendido, enquanto ainda digeria a talha barroca daquele interior de recolhimento católico. - É bonita! - acrescentei, compondo o troco e dispondo-me à conversa, que, pelos modos, prometia.

- Tomo conta desta igreja, com a minha mãe, há quarenta e cinco anos. Não quer entrar?...

- Com certeza!... - dispus-me, risonho, vagaroso, a ver tudo de novo, agora com cicerone...

No aconchego vacilante das meias luzes dos pavios espetados na cera que alumiavam o interior da capela, duas velhas rezavam e dividiam olhares entre Cristo crucificado e quem chegava. Surgimos do parte lateral do altar-mor, como padre e sacristão em hora de missa.

- Aqueles azulejos que estão junto às imagens - apontava o meu anfitrião - foram tirados da zona donde viemos. Esta é a capela da Ajuda, que, fundamentalmente, faz de casa mortuária da cidade. Recebeu muitos benefícios para o efeito, mas nem toda a gente vê com bons olhos as obras realizadas... Sou sapateiro e  também faço coleiras para cães... Tenho uma pequena indústria cá em Penafiel e...cuido da capela - explicou-se. - Um dia, esteve aqui um jornalista e eu relatei-lhe como é que isto estava antes dos melhoramentos.

Houve quem não gostasse e fui mal tratado no "Notícias" da terra por um doutor que não gostou do que eu disse... Respondi-lhe ponto por ponto... Hoje somos amigos. Se o senhor tiver tempo, mostro-lhe os recortes dos jornais...

- Dizem-se missas nesta capela?... - atalhei, arrefecendo desabafos.

- Olhe, são quase seis e meia da tarde e vai haver uma reza... Tenho que ir tocar o sino... Se puder, volte para ver os recortes...

Não voltei. Soube, pouco depois, à mesa de um café local, que o sapateiro em questão é homem de muitas falas, que ata e desata acerca de tudo... O que ninguém me disse, é que, ali, como noutras terras do país, há património municipal (para não subir mais no escalão...) que "vive" da boa vontade dos mestres de sete ofícios que temos e que insistem em tocar o sino a horas certas...

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