domingo, 11 de abril de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XL)

ENTREVISTA com o Padre Lancelote Rodrigues (cont.)

Entretanto, os prédios constroem-se e parte deles não tem ninguém... Estão à espera...

Estão à espera de compradores. Nalguns casos já compraram, mas querem revendê-los a maior preço.

Que população os irá ocupar?...

Há-de ser a classe média...

Quando abrirem as fronteiras, será?...

As fronteiras estão abertas e muitos chineses, mesmo da China, têm casa aqui. Os de Hong-Kong também têm. De modo que vão-se vendendo, mas certamente quando tivermos aqui mais consulados, depois de 1999. Toda a gente, vai precisar de casas e casas condignas e boas.

Padre, acha que Camões vai ser, a título póstumo, nomeado cônsul honorário de Portugal, com direito a uma homenagem anual?...

Bom, nós temos feito todos os anos uma homenagem ao Camões... Depois...

Cônsul honorário?...

Devia ser embaixador!... Embaixador honorário.

Acha que Macau tem sido missão, pimenta, aventura, ou o quê?...

Tem sido, fundamentalmente, missão.

E pimenta?...

Sempre, sempre... Em toda a parte há...Mas missão é porque temos aqui a diocese, que muito fez pela educação que procurámos dar às pessoas. Os seus serviços sociais, juntamente com os serviços sociais do governo. Há, nesse campo, uma ligação estreita, uma ajuda mútua entre o governo e a diocese. Estou em crer que isso vai continuar.

Acha que, depois de 1999, continuarão a existir casas de penhores?

Sim, casas de penhores há-as por toda a parte. Mesmo na China...

Apesar de o regime ser outro?...

Há casas de penhores. Todos empenham...

O jogo vai continuar?...

Já ouvi dizer que o governo chinês, ou o governo desta região, deixará funcionar o jogo, se bem que seja proibido na China, mas também lá se joga muito - clandestinamente...

Qual é o segredo do crescimento chinês de que tanto se fala?... De tal maneira que eu, por exemplo, em Lisboa, sou surpreendido com o preço de um objecto, de valor aparente muito superior, que está marcado por cento e poucos escudos:  feito na China, importado pela Inglaterra e chegado a Portugal para ainda ser vendido  com vantagens para quem o adquire... Como é que isto é possível?... Alguma coisa está a ficar para trás?...

Naturalmente, é possível, graças à quantidade produzida... Os chineses são bastante industriosos e fazem coisas bonitas e boas em grandes quantidades. Por isso, o preço é flexível, mas, nalguns casos, logo que saem da China,  indo para a Europa, ficam bastante caros.

Qual é a população fixa de Macau?

Uma 300 000 pessoas. 5 000 a 7 000 macaenses. Portugueses, talvez 1000 e tal. Chineses, são os restantes.

Face às mudanças de 1999, quais são as expectativas dos macaenses?

Muitos deles hão-de ir para Portugal, outros para outros sítios, mas creio que a maior parte vai ficar aqui...

Tem saudades de Malaca?

Estou aqui há 60 anos, sabe... Mas quando a saudade aperta,  vou lá passar uma semana.

O que é que permanece do espírito cristão e português em Malaca?

A religião. Os costumes e a língua. São três coisas que nós ainda temos em Malaca entre os malaqueiros. Quando lá vou tento falar o português de lá com as crianças - o papiá cristan. Mas os costumes. Por exemplo, o casamento malaqueiro antigo, o Entrudo, o São João, o Natal e a Páscoa, como nós aqui. O S. Pedro, que é o orago deles, e os pescadores, aquela gente...Há muitos vestígios ainda.

Porquê essa ligação afectiva a Portugal?...

O patriotismo deles... - se bem que, agora, sejam malásios. A religião põe-nos juntos, sabe. Eles gostam imenso de Portugal. É claro que não falam o português como nós falamos, falam o inglês, sim, mas têm o amor... E canções portuguesas... Ainda há pouco tempo, o Órfeão do Porto ensinou-lhes uma danças... Querem apanhar tudo o que seja português. De modo que isto é que os liga.

Tem conhecimento de algum apoio das autoridades portuguesas a essa animação cultural em Malaca?

Ultimamente tem havido um esforço para ajudar Malaca.  O Senhor Governador de Macau desloca-se lá agora e vai oferecer fatos regionais portugueses para danças (40 peças, creio). O Secretário-Adjunto para o Turismo e Cultura tem levado muito a peito a ajuda a Malaca.

Daqui por cem anos, Macau será a Malaca desta zona?...

É difícil diagnosticar... Pelos menos, Malaca esforça-se muito para ter as suas festas portuguesas...

Mas estes monumentos todos que estão por aí a erigir não são mero "caldo verde"?... Têm alguma força, alguma expressão cultural?

Acho que sim. E é bom ter aqui uma presença...

Não vai acontecer o mesmo que às estátuas que estavam aí e foram embora?...

As que estão agora aí não são controversas. Creio que não e espero que a Região Especial em que Macau se vai integrar tenha um pouco de cuidado, porque precisa de turismo, precisa da História - e Macau tem História. Como Malaca. De toda a Malásia, só Malaca é que tem História.

Como é que sobrevive a comunidade católica num território onde o budismo e outras religiões têm também muita força?

Será sempre uma sobrevivência pacata, um entendimento entre budistas, católicos e todas as religiões. No respeito recíproco. Só assim é que é possível a sobrevivência.

No entanto, tenho a informação de que, quando estão numa paragem de autocarro, se houver uma fila de macaenses e chegar um chinês, o chinês passa à frente de toda a gente e toma ele o autocarro... Como é que explica isto?...

Naturalmente, está com pressa... Creio que é também um problema de educação. Não é de desdém, nem de supremacia. Aqui em Macau há mais amizade luso-chinesa do que em muita parte...

Padre, está agora no púlpito e à sua volta tem jovens macaenses e portugueses a quem que falar das perspectivas do pós-1999... O que é que lhes vai dizer?

Diria que ficassem, que acatassem as leis, que aproveitassem a juventude para estudar ou trabalhar ou fazer qualquer coisa a favor do próximo, em pról do lugar onde estão. Recomendava-lhes cuidado com as drogas, a prostituição...

Há muita prostituição em Macau?

Há, mas é importada.

Imagine-se agora no mesmo púlpito, mas tem que falar à juventude chinesa... O que é que lhes diria?

A primeira coisa seria uma referência ao amor filial, ao amor aos pais. Está a ver-se pouco... Que não se metessem muito no jogo...

E agora, finalmente, o seu auditório é 50% chinês e 50% português - e quer ouvi-lo. Fale...

Sejam amigos! Com amizade salva-se tudo, pode fazer-se muita coisa. Compreensão, porque são diferentes etnias.

Acha que Macau nos foi dado e está agora a ser tirado ou é outra a sua versão dos acontecimentos?

Parece que Macau foi dado aos portugueses em reconhecimento do que fizeram contra a pirataria. Mas agora, com o crescimento do nacionalismo em toda a parte (África, Ásia...) os chineses entendem que Macau lhes pertence, que está no território chinês... Nós acatamos isso. É o nacionalismo em toda a parte.

Mas vai permanecer a convivência?

A convivência, sim, vai. Os portugueses têm o feitio quer se conhece, os chineses também são acomodativos...

Não há, realmente, animosidades entre as comunidades?

Não há, de facto. Pode haver umas rixas entre um ou outro, mas, em geral, há amizade entre chineses e portugueses. Convivemos muitíssimo bem aqui. Já convivemos durante quatro séculos e meio...

                                                                                                     O Marcial deseja-vos felicidades.

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