"Não é a dimensão das comunidades que define a sua qualidade, como é óbvio. Os portugueses, muitos ou poucos, têm de comum tudo o que de bom e de mau os particulariza. Sem que as estatísticas existentes ajudem, admite-se que existam no Zaire cerca de seis mil compatriotas nossos. Gente que, fundamentalmente, se dedica ao comércio e que, de uma maneira geral, vive com desafogo, embora, sempre trabalhando "no duro". Uma vez mais, porém, há os outros (os belgas, os franceses e o branco, que é, na fala local, uma maneira simpática de nos denominar.
Uma viagem à volta do mundo para, quase em jeito de amostragem (a ida a todas as comunidades talvez levasse anos...), falar da presença dos portugueses é assim uma emoção indescritível, dando-nos bem a ideia - já o disse noutra oportunidade - de como "a obra é grande e o homem é pequeno".
Relatar, por isso, a forma como um simples representante de um jornal português foi recebido em Kinshasa, se é motivo de orgulho, é também tarefa extremamente difícil.
Desde logo, para resolver os eventuais problemas da chegada, tinha no aeroporto o Victor Antunes, eficiente e atencioso funcionário da embaixada de Portugal na capital zairense - e que útil ele foi!... Depois, do aeroporto N'Djili à cidade (cerca de vinte e cinco quilómetros), comecei a perceber as atenções que me estavam reservadas. Para começar, a marcação de hotel, que havia feito à partida de Lisboa, seria anulada: um português de Lei - Jaime Viana ( a minha homenagem, hoje póstuma, querido Amigo!) - tinha tudo preparado para me receber em sua própria casa. Inclusivamente, pensando-me com estada mais prolongada do que a que acabei por ter que ter, o nosso compatriota mandara arranjar um "stúdio" destinado a ser meu "quartel-general", onde não faltaria a máquina de escrever para trabalhar.
Portanto, qual hotel, nem meio hotel: em casa de uma família portuguesa, isso sim. Primeiro ponto.
A seguir - Embaixada. Recebido de imediato pelo nosso representante no país, Dr. António Baptista Martins, prosseguiram as emoções. Falámos, como era inevitável, de Portugal e dos portugueses com aquele entusiasmo (que me desculpem os aqui residentes...) de quem está fora do espaço físico lusitano. E chegou o primeiro convidado, Dr. António José Nogueira, que se juntou assim a um dos secretários da Embaixada, Dr. Fernando Ramos Machado, que, antes, aparecera no convívio.(...) Falava-se Portugal.
(...) "- E Goa, como encontrou Goa? E Macau? Olhe, como é que vão as coisas por Lisboa?..."
(...) Estivemos em Marvão e em Angola, Campo Maior e Goa. Em Portalegre e no Japão.
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(...) Caminhava para a uma hora da madrugada quando Jaime Viana, desejoso de me dar uma visão do meio tão completa quanto o tempo de que dispunhamos permitia, destravou o seu carro em direcção ao casino da cidade para aí vermos como brancos e negros se não distinguem na ânsia da vitória ao jogo, a que também não faltam as senhoras de cor com os seus penteados em forma de antena colectiva de televisão - com UHF e VHF...
Dir-se-ia que o serão estava terminado quando o meu cicerone e amigo Viana se lembra de visitar a "boite" "Le Chateau" onde, sem distinção de raças, se "rebolava o caneco" em frenética agitação ocidentalizada. Eram três da manhã. O avião para Dakar, meu destino seguinte, partia às oito. Contudo, ainda se arranjou folgo para ir para casa conversar da minha volta ao mundo (...)
- Como é tudo isso possível?- perguntarão alguns estrangeiros.
Como referi anteriormente, voltei ao Zaire, da minha emoção, anos depois. Não foi fácil o visto, mas os de Mobutu lá mo acabaram por dar quando, em Lisboa, faltavam ... duas horas para apanhar o avião, ao encontro do luso entusiasmo que já tivera oportunidade de conhecer.
* Actual República Democrática do Congo.In "Os Portugueses no Mundo", de M.A.
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