sexta-feira, 9 de abril de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (XXXIX)

ENTREVISTA com o padre Lancelote Rodrigues


Padre, gostaria que começasse por falar um pouco de si, da sua naturalidade... Porque é que veio de Malaca para Macau ...


O meu nome é Lancelote Miguel Rodrigues. Tenho agora (1995) 72 anos, 60 dos quais passados em Macau. Filho de pais portugueses de Malaca, vim para o Seminário de S. José aos 12. Naquele tempo, o bispo era um missionário, D. José da Costa Nunes, mais tarde, cardeal. Foi bispo de Macau durante muitíssimo tempo e pediu a outros padres que vinham de Portugal para trazerem para cá rapazes para o Seminário. Pensava no futuro da diocese.


Para aqui vim, como disse, aos 12 anos. Vim com um inglês e um malaio. Tive que aprender, com bons professores, note-se, no Seminário, as línguas que se falavam, incluindo o português, naturalmente. E assim estudei durante 13 anos. Claro que, sendo traquinas, lá andei a puxar pela cabeça...


Eles, no Seminário, punham-nos a estudar com toda a força. Ao princípio, eram uns padres jesuítas. Depois vieram os missionários diocesanos tomar conta do Seminário e assim fomos andando... Acabei o curso em 1948.

Nesse tempo já havia por aqui os refugiados portugueses de Xangai, que vinham da China. Eram expulsos. Tinham que sair por causa dos comunistas.

Entretanto, o bispo mandou-me "tomar conta" dos refugiados, ser capelão e... e lá fui. Nesse tempo, o governo é que os albergava aqui. Tinha vários centros (três centros para refugiados portugueses de Xangai. Um deles, no canídromo). Pois lá convivi com durante 14 anos. Aconteceu muita coisa...Rixas, tudo... Havia também intelectuais, porque estavam todos metidos no canídromo desactivado.

Há algum aspecto que, para além das razões históricas, singularize Macau das regiões vizinhas?

Macau era uma coisa peculiar, era uma terra "sui generis", em que conviviamos, portugueses e chineses. Pacificamente. Era melhor viver aqui nesse tempo (1949, pós-guerra, e mesmo antes da Guerra). Vivia-se muitíssimo bem e não havia para aí tantos carros como agora... Quase mais carros do que gente...

Decorridos estes séculos de convivência racial, o que vai, a seu ver, permanecer depois de 1999?

Vai continuar a amizade racial. Nós não antevemos nada de concreto, porque sempre convivemos com os chineses muitíssimo bem.

Casamentos entre chineses e portugueses (macaenses, que são portugueses também...). Creio que continuará na mesma. Claro que, com a ausência do governo português, talvez tenhamos algumas dificuldades ao princípio, mas eu sou muito optimista e e Macau pode e deve continuar a ser um foco de amizade, de ajuda mútua. Os Serviços Sociais hão-de continuar com o que nós temos feito, com o que o governo está a fazer aqui. Por mim, não vejo muita mudança quanto a isso...

Padre, se lhe pedisse para, dentre os muitos portugueses notáveis que, ao longo de 400 anos, passaram por aqui, me indicar 10 nomes que tenham marcado a nossa presença, quais indicaria?

Os Nolascos, os Rodrigues... Por causa do trabalho que fizeram. Negociantes...

Estamos no ano...

1935. Daí para cá... Os Melos, gente que estava no Governo e tinha os destinos do mercado na mão, juntamente com as autoridades. Muitas dessas famílias eram de profissões liberais: advogados, médicos, comerciantes. E políticos também.

Mais nomes, recuando na história...

Sena Fernandes, na área da diplomacia. Havia um Sena Fernandes, diplomata, que era cônsul geral da Tailândia em Macau. Residia aqui. Era também homem da Literatura.

Familiar de Sena Fernandes, que está aí, vivo?...

Sim. O que escreveu agora um livro que vai ser adaptado ao cinema. Nomes, tantos!, tão ilustres... Os Silvas, também, que eram do Governo. Muitos deles eram Intendentes. Em 1970...

E nos finais do século passado, há assim alguém de que se lembre?...

Do século passado, de repente...não posso precisar...

Iniciativas com direito a figurar na História, nos últimos 400 anos?...

Luís Gonzaga Gomes, que escrevia muito sobre a China e sobre Macau: usos e costumes. Montalto de Jesus, que escreveu a história de Macau que, na altura, foi banida...

Quando?...

Em 1926, pelo governo português de Macau.

Porquê?...

Porque, provavelmente, não dizia coisas verdadeiras sobre Macau. Terá escrito mal acerca de Macau. No entanto, mais tarde, a sua obra foi publicada em português. Tinha-a escrito em inglês.

Nos últimos dez anos o que é que acha que foi feito nas áreas da Cultura e da Economia?

Oh, muito se fez aqui em Macau!... Tudo o que estamos a ver aqui à volta: o terminal, as ruas muito bem calcetadas, a preservação da natureza nas Ilhas - e também aqui em Macau. Tantas obras que se fizeram: o aeroporto, o terminal, os edifícios que estão a ser levantados agora no porto exterior... A conquista de terreno ao mar...

Macau já não tem 16 km2?...

Tem mais... Muito mais... Não sei quantos mais... Talvez uns 25...

E do ponto de vista cultural?...

Muito se fez aqui. Só o Festival de Música já é um triunfo que nós temos aqui todos os anos. Salvo erro, desde há dez anos.

Temos agora o Instituto Cultural de Macau, temos o Conservatório da Música e também temos a Academia da Diocese, que está a dar aulas de piano...

Há, nos últimos dez anos, pujança cultural por toda a parte.

Na Economia, é a olhos vistos. Muitas pessoas que estiveram aqui, mesmo há dois/três anos, quando vêm aqui, verificam que isto está tudo mudado... Nem conhecem as ruas...

Mas como é que explica esse "boom", agora que Macau vai deixar de ter administração portuguesa?

Esse "boom" começou com o casino. O casino deu muita força a Macau.

Mas isso não é o progresso dos últimos dez anos... 

O casino, antes desta companhia, pertencia a outra empresa que pouco fez por Macau. Agora esta sociedade, sim, tem feito muito pelo território. Além disso, o Governo tem nos seus cofres taxas e regalias para todos...

(cont.)

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