domingo, 13 de novembro de 2011

Memórias do meu cata-vento-de Timor a Timor *(IV)

* Palestra proferida em Santo António dos Cavaleiros, nos arredores de Lisboa, com apresentação, e posterior publicação, da Profª Doutora Maria Beatriz Rocha-Trindade

"(...) Os poetas vão á frente, sabe-se, prova-se. Macau, contudo, acompanha-os, quando, aos jardins, a horas matutinas, em gaiolas de bambú, leva pássaros domésticos ao espectáculo de bailado das folhas verdes que nas árvores se agitam à sua chegada; quando, ao cair da tarde, aguarelas lhe fixam vidas que nascem e morrem no secular junco, que é fortaleza de pobre e admiração de turistas; quando na intimidade conventual, um padre, quase monge, Manuel Teixeira, acorda para a história de que ele próprio, sem dar por isso, se fez parte.


Mas, um de cada vez: que se aproxime o pintor, que do monge falarei adiante, antes de deixar, sem tufões que desorientam cata-ventos, a Cidade do Nome de Deus, por onde saudado Timor, principiei esta Memória, que do adro ainda não passou.


Herculano Estorninho, pintor de ar livre


Os registos dão-no como nado em Macau em 1921. Autodidacta da pintura por força da pequenez do meio, logo que se encontrou a si próprio, estabeleceu os primeiros contactos com os mestres que admirava. Hoje pode dizer-se que deve a sua formação estética a Smirnoff, Luís Dumée, professor de pintura da Escola Superior de Belas-Artes do Porto, Tam Tsi Tsang, da Academia Chinesa de Arte, Frederick Joss, do Instituto de Arte Aplicada de Viena, Kwoc Zse, da Escola de Belas-Artes de Nang Yang (Singapura), Kam Cheong Ling, do Colégio de Belas-Artes de Macau, Yutas Chen, da Galeria Apollo, de Hong-Kong, Chi Vai Fu, do Instituto de Arte de Cantão.


Fui encontrá-lo bem longe, ao entardecer, na formosa praia de Sá, na longínqua ilha de Coloane, nos antípodas, onde, há mais de sessenta anos, ama terra e gentes. Provoquei-o para dissertar sobre a sua obra. Pedi-lhe que me falasse do seu trabalho, mas quase sempre dei com o pintor a escapar-se-me para o amor a Macau. Com efeito, Estorninho está na limpidez do que pinta, na intimidade do que vê. Estorninho é o mar do Sul da China, é espaços abertos e luminosos, é ruas velhas a cheirar a pivetes queimados, mas, acima de tudo, e sem demagogia, é povo da borda d'água, é china que passa e lhe chega a cerveja que refresca: "deixa-o ... É o artista de Portugal que está a pintar as nossas coisas ...", sussurra-se." Estorninho são milhares de quadros ao longo de uma vida. Estorninho-impressionista, segundo ele e os demais - é Macau e o que o território nos pode revelar de poético, de fantasmagórico, de alegre ou infeliz."

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