quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Gazeta a preto e branco: África do Sul ( V )

Nota prévia, eventualmente desnecessária: esta Gazeta foi, em tempo oportuno, publicada na imprensa diária portuguesa e, se vale, vale pela reflexão que pode, eventualmente, sugerir - mas é, antes de tudo, um documento que tenta retratar uma época ...

















"- Que pensa da África do Sul - hoje?- perguntámos a um madeirense comum, na circunstância, secretária de direcção. A resposta veio pronta:

- Como terra de acolhimento, é maravilhosa em vários aspectos: arranja-se emprego com facilidade e ... ganha-se bem, ainda que, de momento, se debata com o problema da desvalorização do rand, mas ... mesmo assim ...

Mergulhámos na cidade, enquanto no espírito nos bailava ainda aquela questão do desemprego que, afinal, tanto tem afectado a emigração portuguesa noutras paragens.

- Que se passa em Joanesburgo que a acho, vista ao pé, um pouco "despenteada"? - perguntámos a uma empregada, num centro comercial dos mais importantes da cidade.

- Sabe, o centro está muito congestionado de trânsito e, não sendo eu racista, tenho que referir que os negros tomaram conta dele e ... é o que se vê ... Agora, comprar em lojas impecáveis quase só a uns quilómetros daqui. Aí sim ...

- Mas ...

A madeirense do centro comercial, ignorou qualquer sequência nossa à conversa, para logo acrescentar:

... hoje, o poder de compra está nas mãos dos negros ... As mulheres de cor facilmente dão seiscentos rands por um vestido (embora possa ser apenas para gingar ...), enquanto eu nem sempre posso despender cem por uma peça idêntica ... Esta é que é a verdade ...

Despedimo-nos meditabundos e regressámos ao "lar, doce lar", que é como quem diz, ao hotel, onde a bandeira portuguesa está discretamente pintada no vidro da porta do edifício, que dizem ser um dos pontos de encontro da comunidade - "do operário ao médico."

Aí nos disse, então, o operário:

- Há dificuldades, de facto, mas são iguais às que existem na Europa. O problema é que passou a haver maior moderação nos proventos: agora já não se conseguem ganhar doze a catorze rands à hora na metalurgia. Ficamo-nos pelos oito, nove rands ...

- E desemprego? - tentei tirar a limpo.

- Não ... Ou antes: há menor procura. De resto, com a reeleição do Reagan, a situação vai melhorar de novo, em 1985.

- E uma certa confusão que se nota agora nas ruas?...

- Não é coisa de europeus ... A maior abertura aos mestiços e aos negros ...

- Mas os portugueses ...

- Não, não é connosco. Quem tem dificuldade em adaptar-se são os ingleses, os africanenses e outros que não nós ... Nós até estamos habituados à convivência racial... Sou de Moçambique - rematou.

Ao lado, entretanto, soltava-se insólito o desabafo de um dos directores do hotel:

- Escrevam lá no vosso jornal que eu ainda sou português, mas os meus filhos serão o que eles quiserem ... Para já, tirei-os da escola portuguesa: não posso aceitar que aprendam por livros com textos de Samora Machel e de Agostinho Neto ..."



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