quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Gazeta a preto e branco: África do Sul ( XII )
















"10 de Dezembro de 1984

O assimilado

Conversa de pequeno almoço:

- Sendo negro, português de Moçambique, como é que que se tem sentido na África do Sul? - perguntámos ao nosso companheiro das torradas com manteiga.

- Bem ...

- Sim.

- ... mas eu era um assimilado ...

- Percebo.

Pusemo-nos a caminho de Pretória. Tínhamos uma entrevista com o embaixador de Portugal às onze da manhã e não houvera tempo para prolongar o diálogo com o negro de Moçambique, tanto mais que, de passagem, apalavrara para as dez uma brevíssima troca de impressões com outro madeirense:

- Que pensa da eventual "criação na Madeira de uma instituição cultural, desportiva e social, privada, que fosse um clube social por acções, extensivo a todas as comunidades madeirenses, a nível mundial, com instalações próprias para divertimento, actividades culturais, centro de vendas por grosso, colégio para filhos de emigrantes (em que se leccionassem as disciplinas de interesse para as diferentes pátrias, etc)"?

- Para os que pensam regressar, assim como para os que lá vão regularmente de férias, acho que é uma excelente ideia; para os demais, não vejo que benefícios lhes possa trazer, embora concorde que, se se vier a concretizar, acabe por constituir uma obra de belo alcance. Pessoalmente, gostaria de me manter informado sobre esse projecto.

E, de corrida, aí fomos nós para Pretória. Ficara, uma vez mais, o valor das palavras ditas, mas também o das por dizer, que se subentendem, pensamos.

Expressiva julgamos ser igualmente a síntese do vibrante diálogo com o embaixador dr. José Manuel Villas-Boas (que já começou a juntar muito do que de pitoresco, um dia terá, pelo que lhe ouvimos, para nos transmitir, em livro): "é uma comunidade maravilhosa! Dever-se-ia poder pagar aos portugueses que aqui não vivem uma viagem para que pudessem observar de perto esta gente, que todos os dias me surpreende positivamente."

Apesar de tudo, de novo a conversa fora curta, comparada com a emoção do encontro com o espelho das nossas ideias. Às vezes, reza-se uma Avé Maria com a intensidade com que participaríamos no Terço completo ...

O "rei" e a história dos cavalos

E completamos esta gazeta diária, auscultando outro madeirense. Na oportunidade, um homem da construção civil ("deve ser um rei...", comentou o negro que me conduzia, não tirando os olhos da moradia a que acabava de me levar) que, nas corridas de cavalos, tem também a sua estrutura montada na venda de apostas. Fomos encontrá-lo em Vanderbjlpark, a uns cinquenta quilómetros de Joanesburgo.

Perguntámos-lhe, retomando, de certo modo, tema já abordado:

- Que condições considera indispensáveis para um maior investimento imobiliário em Portugal e, em particular, na Madeira?

Respondeu-nos:

- O que eu penso corresponde ao que já fiz, embora em pequena escala. Confesso que não foi na Madeira, onde era muito caro, mas no Algarve: comprei alguns apartamentos num edifício da Praia da Rocha, para acautelar o meu futuro...

Não respondera à nossa pergunta, mas continuou: - A minha opinião é que todos os emigrantes portugueses deviam aplicar parte das suas economias em Portugal ( a África tem sido a experiência que se conhece ...), sem esquecerem, claro, o bem-estar do dia a dia na terra em que se encontram.

É óbvio que quanto mais estável, política e economicamente, estiver Portugal, mais possibilidades vejo de, eu próprio, lá investir. Mas o principal incentivo para a compra de imóveis seria a modificação das leis do inquilinato que, uma vez alteradas, me poderiam, a mim, por exemplo, levar a duplicar esse investimento.

Cavalos ... Curiosidade. O impulso de saber:

- Como é que se meteu nessa coisa dos cavalos? Ganha-se muito dinheiro?

Sorriu e ...

- Ganha-se muito dinheiro, mas também é necessário arriscar muito. Tanto se pode ganhar uma boa maquia, como perdê-la. É uma aposta ... Comecei por trabalhar nisto para um amigo, nas horas vagas, e hoje estou por dentro ... Tenho mesmo um cavalo que vai correr amanhã. Saliento, no entanto, que esta é daquelas coisas em que, ou se tem controlo, ou se perde tudo - até a família ...

Ficámos por aqui. Os pormenores não contam. À porta, esperava-nos o negro com olhos de súbdito olhando o alto das ameias. Regressámos a Joanesburgo. Todavia, de cada vez que passávamos à beira de casas de gente negra, o meu motorista sorria e salientava-mas.

Chegámos cedo à "capital do ouro". Alguém, se isso acontecesse, se prontificara para me levar ao Soweto, cidade negra dos arredores de Joanesburgo e divulgada como algo digno, no contexto africano. Mas ficou para melhor ocasião.  Aliás, o tempo não estava seguro."

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