sábado, 13 de setembro de 2014

Anatomia das ideias (0037) - Otelo, Saramago e a Catrineta



Edição nº1214 de 29-03-2012. Director: José Gaio Martins Dias

(Opinião, por Fernanda Leitão)
Carta do Canadá
Eu estive lá
(© Jornal O Templário)

"Verão de 1975. A noite estava quente e sem brisa. Durante todo o dia uma estação de rádio insultou o governo espanhol e convidou a uma manifestação junto à embaixada de Espanha. Largas centenas de pessoas se juntaram na praça onde fica a embaixada naquela noite: uns quantos por militância partidária da esquerda comunista, muitos para verem o que se passava. Eu estive lá. Encontrei conhecidos e com eles fiquei: Teresa Tarouca, Nuno Salvação Barreto, um militar chamado Antonino e o Conde Zoio, pai do cavaleiro tauromáquico. Havia um pesado silêncio na multidão, cortado pelos gritos fanáticos dos militantes. Começaram a saír da representação diplomática fulanos arrastando pesadas caixas e malas. Era o saque. Vi um conhecido ajoujado com uma mala enorme, mal fechada, que deixava ver pratas. Era um jornalista. Fui direita a ele apenas lhe dizer que eu estava a ver e não me ia esquecer. Não digo o nome dele porque já morreu e porque os filhos não têm culpa. Depois pegaram fogo à embaixada. O silêncio da multidão aterrorizada foi quebrado pelo berro homérico de Salvação Barreto, prometendo mau futuro às hostes vermelhas (dias depois, grande coincidência, Salvação Barreto foi chamado a um encontro que veio a ser uma cilada: foi apagada a luz da sala onde foi recebido e choveu pancada de todos os lados, cobardemente. O famoso forcado esteve mal e hospitalzado por um tempo). Subimos a Avenida António Augusto de Aguiar e ali pudemos ver uma chaimite parada com dois militares do MFA que palravam e riam: Dinis de Almeida e Otelo Saraiva de Carvalho. Muito divertidos. Continuámos a andar, para castigar os nervos. Quase chegados ao Chiado, encontrámos uns jovens que pintalgavam as paredes. Cheia de raiva fria, que é a pior, pedi-lhes um spray emprestado e, pela primeira e única vez na minha vida, escrevi numa parede pública: UDP = UNIDOS DIVIDIREMOS AS PRATAS.
 Nos meses que antecederam esta façanha, Otelo assinou milhares de mandatos de captura em branco que os seus jagunços utilizaram para vinganças pessoais, em muitos casos. No meio deles foi Luís de Sousa Holstein, Duque de Palmela, vítima de três fuzilamentos a fingir, na parada de Caxias, porque o COPCON de Otelo gostava de divertir-se. E porque a família dele, tal como a dos outros presos, não sabia onde ele estava, sua mulher foi ao comando dessa agremiação, esperou horas e quando finalmente o poderoso Otelo a recebeu, disse-lhe apenas:”Não lhe venho pedir nada. Venho só saber porque é que o meu marido está preso”. Ao que o farçola, muito mais baixo do que a senhora, respondeu em casca grossa: ”Oiça lá, porque é que o seu marido é duque?”. Dona Maria Teresa, olhando-o de alto a baixo, retorquiu: “Ah, então é isso, estão a querer esmagar as famílias tradicionais do país”. Depois do saque e incêndio da embaixada, Otelo foi o dirigente e o responsável pelas FP-25, uma organização criminosa que assaltava bancos e matava pessoas, uma delas foi Gaspar Castelo Branco, director dos Serviços Prisionais, e outra foi um bébé que uma bomba desfez no seu berço. Entretanto, no Botequim, onde pontificava Natália Correia, o médico Fernando Teixeira escrevia versalhada que se encaixava em músicas populares. A Otelo calhou-lhe ficar em zarzuela cantada pela actriz Maria Paula:”donde vas taconero y ordinario...”. Foi para o presídio de Tomar uns parcos tempos e depois amnistiado por um PR que não teve o discernimento de entender que estava a passar uma mensagem de impunidade criminosa.
 Estas recordações ocorrem-me por causa das sucessivas promessas de revolta militar que Otelo anda a papaguear em jornais que, pelos vistos, têm falta de memória e de aprumo.
Perguntará quem tem a gentileza de me ler: mas não acha uma revolta militar possível? Respondo com o coração nas mãos: ao estado a que Portugal chegou, tudo é possível - revolta militar, golpe de estado civil, cair de podre nas mãos da Alemanha, e por aí fora. Até pode haver o milagre de o actual PR ter uma hora de lucidez, coragem e pundonor, resolvendo o assunto de acordo com a constituição, tendo em vista a salvação do país.
 Só não creio que seja possivel uma qualquer solução escolhida chamar Otelo, porque todos sabem que ele não é um caso de política. É apenas, e só, um caso de polícia – à luz dos valores dos países do primeiro mundo."







Fernando Pires, jornalista in Os meus 50 anos no Diário de Notícias

"Assisti a José Saramago, na oficina, sentado na mesa do chefe, a rever provas de granel, emendar e até a cortar texto. Algumas peças, na altura da paginação, não preenchiam o espaço calculado pela maquetagem, porque, entretanto, tinham sido surprimidas linhas e parágrafos inteiros. E, por isso, tinham de ser entrelinhadas (linhas brancas que se colocavam entre as linhas compostas) deixando claramente à vista o motivo por que assim estavam."




Catrineta


- Ai filha, já leste aquele livro de um tal Pires...

- Não! Esse, não. O que li foram, no Templário, ou lá que é, as palavras quentes da ... da ... que está no Canadá ... A mulher é danada ...

- Já no meu tempo, cá, era assim ...


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