sábado, 18 de setembro de 2010

Os primos de Fernão Mendes Pinto - folhetim ( I )

Eu bem sei que os "fregueses" da NET são, em regra, gente de poucos vagares. Mas também não ignoro que, escrito em "folhetins", se o que houver a dizer tiver algum interesse, as "audiências" (obrigado pela simpatia) não descem, e até podem subir... 

Arrisco. Com todo o respeito.

Este dedicado à Exma. Câmara Municipal da Covilhã, que faz o que pode pela Cultura

Santarém, 1993 - a convite dos Rotários

"Gentes da lezíria

 Estava eu acabadinho de chegar de uma viagem a Macau, quando, lá para os interiores da Beira Baixa (hoje dá-me mais jeito chamar-lhe Traseiras do Litoral...), perto do Tortosendo, minha tia Lígia, que não sei se conhece Santarém, mas foi a Lisboa umas dez vezes, me apresentou a D. Maria, sua vizinha, octogenária, analfabeta de gota serena, amiga de galinhas e de cortinas transparentes:

- Este é o meu sobrinho, Marcial - que conhece o Mundo...

- O Mundo?...- surpreendeu-se a velha, que já fora à Covilhã e chegara mesmo a ir a Castelo Branco.

- Sim!... - respondi-lhe. - Andei por aí... Olhe, estive no cú de Judas ... - gracejei.

- No cú de Judas?... Onde é que isso fica?...
 
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Difícil tarefa a minha: não há na sala quem não saiba onde é cú de Judas e eu só dele, ou pouco mais, sei falar - porque o vi. Chamo, contudo, em meu auxílio um primo afastado, que, segundo as estatísticas de 1990, ainda é parente de 29 725 escalabitanos: Fernão Mendes Pinto, que admiro, pródigo nos relatos, e que pode ajudar o pobre de mim a reanimar - é disso que se trata - conhecimentos alheios, durante os minutos que antecedem a nossa conversa, enquanto o jantar muda de tripa.

"E que isto sirva de exemplo aos homens, para que, por um lado, os trabalhos da vida não lhes tirem ânimo de fazer o que devem, pois não há nenhuns, por maiores que sejam, que não suportem a natureza humana, ajudada por favor divino, e, por outro lado, que me ajudem a dar graças ao Senhor omnipresente por usar comigo da Sua infinita misericórdia, apesar de todos os pecados".

Posto que tenho que actualizar a escritura, bom será que, em vez da India, comece por falar-vos de França, onde, se não há canela, há, ou havia, sonho ao pé de casa.

Alguns números: de 1966 a 1990, de um total de 848 834 emigrantes do Continente e Ilhas, foram para aquele país 305 679 primos nossos, cabendo a Paris a grande fatia. Mais homens do que mulheres. Em percentagem significativa, na função de porteiros de prédios da capital francesa, onde, enquanto eles, com um sorriso, vigiam e fazem biscates em casa das inquilinas, as respectivas mulheres levam crianças à escola e limpam amarelos das escadas.

É, longe da comenda, toda a lusa esperteza de ter um tecto sem pagar; de arranjar o ferro eléctrico ou um fusível que as "madamas" íam atirar para o lixo; é a oportunidade de marido e mulher cultivarem juntos a simpatia de que não conseguem, por exemplo, gozar os argelinos - "uns porcalhões", diz-se."

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