Cá está ele outra vez, o Natal, com prazo de validade. Para dizer coisas que se dizem há mais de dois mil anos. Não a todos, que uma parte significativa não é de Natal, mas de outros credos. No entanto, no fundo, no fundo, todos somos de qualquer coisa semelhante em toda a parte. Pode não ser nesta data, mas, cá p´ra mim, há um dia, pelo menos um dia, em que o Homem é atravessado por um sentimento que, se não é de Natal, é de nascimento, de reinício tentado: "a partir de hoje..." - e faz a promessa interior. O mal é o dia seguinte ao Natal, qualquer que ele seja ... O homem é um ser recalcado, frustrado, talvez, no fundo, bom, mas a tender para, no presépio da vida, estar mais à espera de receber os Reis Magos do que a pôr-se ao caminho na demanda de simplicidade que esteja para além daquele espaço onde se comemora, se pretende lembrar essa simplicidade. O que acontece é que, saído do resguardo onde passa a noite tranquila de 25 de Dezembro, ou outra qualquer, solta a fúria que conteve enquanto recebeu visitas de cerimónia como Reis e pastores (que dão coisas) ... Quando fica só, quando se sente apenas rodeado da família, começa a congeminar como é que há-de viver assim, confortável, sem se mexer ou, mexendo-se, guerreando o vizinho ... É então que a ocasião faz o ladrão e o que tinham sido bons modos, sorrisos, é ultrapassado pela desconfiança ( a desconfiança é uma maleita, bastas vezes, hereditária, em regra, mortal), pelo desejo de vingança, pela mentira (há sempre adeptos da mentira, há sempre gente de mau carácter, com pecado original, formatado na inveja, na intelorância, na vingança, pelo retorcer o que se diz).
O Natal é uma data bonita, rica de significado. Mas, bastas vezes, aproveitada para os maiores cinismos do ano. Talvez, por isso, devesse ser uma data em, à volta da manjedora, ou da mesa da ceia, sim senhor, houvesse um momento de verdade, de lucidez, para dizer, na paz de Cristo ou noutra, tudo o que nos vai na alma e precisa de ser esclarecido em nome da Paz que se deseja - ou da guerra que faz correr o risco de acabar por separar os radicalmente diversos e irremediavelmente incompatíveis.No fundo, se Presépio é tempo de verdade, que venha o Presépio. Se é tempo de cinismo, que não haja Presépio e que cada um se organize mentalmente para viver com a cultura que lhe deram ou que, livremente, tentou, se deixou, tomar.
Uma coisa é certa: com inveja, ganância, sem cultura do bem, sem amor ao próximo, não há Presépio que resista. De resto, se, nesta altura, vale acrescentar ainda um responsável pelos présépios estragados é a inveja, o ciúme, a insegurança mental, a dúvida doentia pelas acções bem intencionadas do semelhante.
O Presépio cristão não é cura para todos os males, mas, para os que não são cegos, surdos e mudos, pode ser uma excelente oportunidade, qualquer que seja o nome que tome nos diferentes credos, para reflectir e evitar os divórcios, as separações factuais, mas, sobretudo, culturais que afectam a nossa existência terrena - para já. Ou apenas esta - enquanto o for.
Eu gosto do Natal. Do Natal-Verdade, do Natal-Amor, do Natal-Solidariedade. Do Natal-Dia Seguinte. Do Natal Sempre que um Homem Quer, de preferência daquele que se QUER sempre. Ou se tenta, com honestidade intelectual SEMPRE. E não apenas por ser de bom tom lembrar, comemorar.
Lembrei-o ontem, por coincidência, no seu bom e no seu Presépio, por razões não directas, nas urgências de um hospital.
Natal, para mim, foi, em dia especial, recente, ter, pelo telefone, ouvido deficientes mentais (CERCI) sem nenhuma motivação que não a dos afectos, cantar-me, em data própria, os PARABÉNS pela data feliz, sem que ninguém, a tanto, os tenha obrigado. Isso foi Natal. Renascimento. A cerca de um mês da tradicional manjedoura cristã que hoje se lembra repimpadamente.
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