domingo, 4 de março de 2012

Canteiro de palavras XXXVIII - Fábula do poeta e do crítico*















"... Como se fosse possível dizer a Magalhães: vá e descubra o estreito de Magalhães ...


Quando só ele sabia, ele cria saber, e também ele sabia mal, onde devia procurar.


(Colombo, até morrer nunca acreditou ter descoberto a América).


Que ideologias, que bitáculas mostraram de antemão as rimbaudinas saídas da alma para o infinito, os arquipélagos dantescos da imaginação, o mundo cavernoso da consciência de József Artila?


Quanto mare incognitum ainda, quantos cabos das tormentas, quantos oceanos tenebrosos, quantas regiões além-Tule, quantos, das trevas, supersticiosos mares que jogam em verde diabólico?


Experimentaram já todos desenhar o próprio mapa? Explorar os estreitos que ligam a todos os mares do mundo? Não será isto que procuramos desde a memória da poesia, quebrando-nos em recifes de emoções, congelando em preconceitos, sob o sol paralisante das crenças, entre as massas flutuantes da incomunicabilidade? Deixai os poetas cumprir suas expedições. Que delas morram, se necessário, das suas expedições. Mas não de não poderem partir lá para onde oscila a bússola dos seus nervos.


Que aproveitem, para os seus trabalhos,o radar e os impulsos eléctricos das máquinas novas, mas deixai-lhes ter ao lado, com a precisão do radar, seus duvidosos astrolábios; no tempo da cibernética, os cálculos ingénuos das premonições - porque há lugares aonde só estas nos conduzem.


(Mesmo se os Colombos nem sempre sabem o que descobrem.)


Deixai os poetas resolver suas viagens de várias incógnitas e muitos riscos. E limpai-lhes o porto, se regressarem.


Porque as suas vidas estão em jogo. As naus do rei. A fama do império. As especiarias dos senhores e as jóias das senhoras. Mas as suas vidas."

* Somlyó György (Hungria), numa tradução de Ernesto Rodrigues, in Rosa do Mundo

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