in COLÓQUIO Revista de Artes e Letras
nº 1 - Janeiro de 1959, editada pela Fundação Gulbenkian
P E N U M B R A
A pouco e pouco, vou chegando.
Não sei a quê. Sei que, na tarde ruiva,
Já quase só respira, brando,
O Vento que só raro, arrebatando-se, uiva.
Só raro! E talvez seja ingratidão,
Mas que saudade, sim, de quando, toda a noite,
Na escuridão
Me fustigava o seu açoite!
Nos seus uivos ecoavam meus clamores,
Toda a noite alarmavam de alaridos.
Enfurecia-se ele, ou eram meus furores?
Gemia o Vento, ou ou meus gemidos?
Vinha raptar-me o sono!
E, porta aberta,
O expectante abandono
Me conservava àlerta.
Porém agora, vou chegando,
Na planície que a tarde embebe de luz grata,
Já quase só respira, brando,
O Vento que só raro se arrebata.
A que abandono a que outras forças
Vou, pois, chegando, devagar?
A que outra luz a que te esforças,
Minh'alma, por chegar?
Se alguma voz responde, mal murmura,
Se aponta alguma luz ... foge, ou vacila.
Far-se-á só o silêncio e a noite escura
Na planície tranquila?
O que sei é que não, já não delira,
Não incendeia a escuridão,
O Vento, que só mal respira
Rente ao chão ...
E eu, de costas no chão, procuro ler,
De bruços sobre o chão, procuro ouvir,
Na luz do céu do entardecer,
No sussurrar da noite a abrir.
O quê?! ... Não sei. Só sei que vou chegando.
E que em meus lábios, minhas mãos,
São restos, já, de nem sei quando
Gritos que aflorem, gestos vãos ...
Desvendarei, por fim, o incerto clarear?
Distinguirei, por fim, o rumor subterrâneo?
Este ir chegando, enfim, sem chegar?
Entreverei o eterno, ainda que instantâneo?
Só sei que vou chegando, e a tarde é sossegada.
Sem armas, sem escudo ...
Chegando a quê? Talvez a nada.
Talvez a tudo.
José Régio
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