GOSTO DISTO tanto que me atrevo a "trazer-te" para aqui - para o jardim que passei a frequentar, saudoso do meu tempo do cheiro a jornal ... Espero que te sintas bem nesta sombra que criei depois de não ser obrigado a estar onde a vida impunha ...
História de um despertador que gostava de música
Ralph, o despertador. Chamemos-lhe assim para simplificar a história.
Ralph adorava música; a sua anterior dona bem o sabia. E Ralph acordava, e acordava-a, todos os dias, com o toque da música por ela escolhida.
Mas mudara de dona; e esta não gostava de música.
Sobejamente irritado, Ralph vingava-se; e a cada dia se fazia ouvir com um toque mais estridente e desafinado. E ela, zangada e com a pressa de o calar, atirava-se a ele. Valia-lhe o prendado naperon de renda da mesa-de-cabeceira que lhe amortecia o solavanco e as dores.
Naquele dia, tudo tinha sido pior; sem homem há três dias, impaciente e frustrada, ainda se atirara a ele com maior fúria. No chão, sem o conforto do naperon, Ralph jazia inerte. Doíam-lhe as engrenagens e os ponteiros, amolecidos, perderam o tempo do próximo toque; do que, finalmente, a faria sair da cama a tempo de ir trabalhar.
Lembrou-se do homem dela e de quantas vezes o ouvira dizer:
- Mulher de marinheiro tem de saber esperar; marinheiro só sabe quando vai: nem sempre quando volta.
E ali estava ela; tão enrodilhada na dor como ele; a precisar-lhe dos braços como ele do naperon. À espera do toque dele, diferente todos os dias, e que todos os dias a trazia para o vendaval de emoções em que ambos se embrulhavam. À espera das mãos dele, que cada dia descobriam segredos; da boca dele, que a cada dia a navegava numa outra maré.
À espera! Dum grito. Dum outro toque.
Ralph chorou. Não sei como choram os despertadores: mas choram. Porque no chão caiu uma gota e ouviu-se música: o seu último toque.
Ralph adorava música; a sua anterior dona bem o sabia. E Ralph acordava, e acordava-a, todos os dias, com o toque da música por ela escolhida.
Mas mudara de dona; e esta não gostava de música.
Sobejamente irritado, Ralph vingava-se; e a cada dia se fazia ouvir com um toque mais estridente e desafinado. E ela, zangada e com a pressa de o calar, atirava-se a ele. Valia-lhe o prendado naperon de renda da mesa-de-cabeceira que lhe amortecia o solavanco e as dores.
Naquele dia, tudo tinha sido pior; sem homem há três dias, impaciente e frustrada, ainda se atirara a ele com maior fúria. No chão, sem o conforto do naperon, Ralph jazia inerte. Doíam-lhe as engrenagens e os ponteiros, amolecidos, perderam o tempo do próximo toque; do que, finalmente, a faria sair da cama a tempo de ir trabalhar.
Lembrou-se do homem dela e de quantas vezes o ouvira dizer:
- Mulher de marinheiro tem de saber esperar; marinheiro só sabe quando vai: nem sempre quando volta.
E ali estava ela; tão enrodilhada na dor como ele; a precisar-lhe dos braços como ele do naperon. À espera do toque dele, diferente todos os dias, e que todos os dias a trazia para o vendaval de emoções em que ambos se embrulhavam. À espera das mãos dele, que cada dia descobriam segredos; da boca dele, que a cada dia a navegava numa outra maré.
À espera! Dum grito. Dum outro toque.
Ralph chorou. Não sei como choram os despertadores: mas choram. Porque no chão caiu uma gota e ouviu-se música: o seu último toque.
MJR
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