Vera Peneda
Imagens apelativas e uma breve legenda em chinês. Esta é a fórmula da nova newsletter sobre Portugal que é publicada todos os dias nas mais populares redes sociais chinesas - o WeChat e o Weibo - para dar a conhecer país e os seus produtos ao público chinês. Os chineses começam a reagir à iniciativa e a comunidade portuguesa radicada no Continente tem partilhado o projecto com entusiasmo. É aposta é boa, mas insuficiente para familiarizar a nação mais populosa do mundo com o que Portugal oferece. Na China, “Putaoya” continua a ser sobretudo conhecido através dos golos de “C Luo”. “Portugal não precisa da imagem do Cristiano Ronaldo para nada, existe tanto para ver!”, comentou um internauta chinês com a alcunha de Tianshengwocai no WeChat, ao ver as imagens da newsletter sobre Portugal que é publicada diariamente na rede social. Publicados dia após dia, os conteúdos fazem a apologia de temas variados, do vinho ao fado, das paisagens aos doces conventuais, dando a conhecer nas redes sociais mais populares entre os chineses pequenos retalhos da alma lusitana. A ideia de publicitar Portugal nas redes sociais foi de Diogo Calado, de 37 anos, e tem como objectivo promover a marca Portugal na China, onde os produtos e a cultura portuguesa são ainda amplamente desconhecidos.
As reacções dos internautas chineses à iniciativa demonstram que Portugal está “fora do seu mapa” mas que há vontade de conhecer o país e os produtos que lá são produzidos. “Portugal é mesmo assim? Ó meu Deus, que bonito, não só é adequado para passar a reforma, como óptimo para uma lua de mel,” escreveu a cibernauta chinesa Green Apple quando leu sobre o Algarve ter sido considerado pela Forbes o melhor local onde se viver após a aposentação.
Mais do que ilustrar um país em muito desconhecido, a newsletter abre as portas a uma infinidade de possibilidades. Há quem ajude a identificar oportunidades de negócio: “As novas Zonas de Comércio Livre já abriram, vamos aproveitar rapidamente a oportunidade para dar a provar aos Chineses todas essas coisas maravilhosas!!!" referiu o internauta Dr. Zhao, reagindo a uma entrada dedicada aos enchidos portugueses.
Gastronomia, natureza e arte são os temas mais populares desde que a iniciativa foi lançada a 12 de Março. Desde então, Diogo Calado já publicou mais de meia centena de entradas com pequenos textos e fotos com as quais a audiência chinesa pode aprender mais sobre azeite, porcelana, sobre os mosteiros de Portugal ou até sobre figuras históricas como o Marquês de Pombal. Calado encarrega-se de procurar as imagens, traduzir os conceitos, e reencaminhar a newsletter via Weibo. Os conteúdos são também reproduzidos no grupo do WeChat “Portugueses na China,” do qual tem recebido apoio e sugestões.
Portugal está fora do mapa
“Quando digo que sou de Portugal, os únicos aspectos que normalmente os chineses associam ao país são o futebol e o Cristiano Ronaldo,” explicou Diogo Calado, ecoando a impressão partilhada pela maioria da comunidade portuguesa radicada na China. Aluno de mestrado em medicina integrada numa universidade de Tianjin, Calado também é representante da RDMC, empresa da família que opera no sector do turismo e que decidiu apostar no mercado chinês. “Uma das dificuldades com que nos deparámos foi o grande desconhecimento que os Chineses têm acerca do nosso país. Por outro lado, sou frequentemente contactado por empresários portugueses que querem introduzir os seus produtos na China e o problema é justamente o mesmo,” afirmou Calado, que também viveu dois anos em Chengdu. “Ao promover a imagem de Portugal e os seus produtos, estamos a tornar Portugal mais apetecível e claro, mais valorizado, o que é particularmente importante dada a dimensão do mercado chinês,” acrescentou o estudante de medicina, que avançou com o projecto por mote próprio. Até agora, os representantes oficiais de Portugal no Continente não facultaram qualquer tipo de apoio institucional a Diogo Calado, nem manifestaram vontade de colaborar com a iniciativa.
Calado considera que Portugal goza de uma “pálida imagem” na China. Excepção feita ao vinho e ao futebol, o país é pouco conhecido junto da esmagadora maioria da população chinesa. O estudante de medicina defende que Lisboa tem muito a aprender com os países que já têm uma larga experiência no trato diplomático e comercial com a China: “Embaixadas, consulados, câmaras de comércio e agências de turismo de outros países europeus, como França ou Alemanha, realizam, com alguma frequência, dias abertos, com eventos sociais, que se destinam a promover a cultura, produtos e marcas nacionais, ou a informar sobre destinos turísticos e como obter um visto de turismo ou de negócios,” observou Calado, acrescentando que mais poderia ser feito ao nível das redes sociais. “Apenas uma acção coordenada poderá ser verdadeiramente eficaz,” conclui.
Falta compromisso oficial e empresarial
No ano em que Pequim e Lisboa celebram uma década de parceria estratégica, o investimento chinês em Portugal registou um crescimento acentuado, protagonizado por grandes grupos empresariais chineses e exponenciado pelo programa de concessão dos chamados vistos dourados. Em 2014, Portugal foi o país da União Europeia com maior peso de investimento chinês face ao Produto Interno Bruto. Os mais de 16 mil milhões de patacas de investimento directo oriundo da República Popular da China corresponderam a 1,06% do PIB, colocando o país acima do Reino Unido, Itália e Holanda, segundo dados publicados pela Associação de Comerciantes e Industriais Luso-Chinesa. Porém, o investimento português no maior país asiático continua a ser diminuto. Apesar do aumento de 18,8% de exportações nacionais para a China registado em 2014, Portugal vendeu produtos no valor de apenas 1500 milhões de euros. Os especialistas e as empresas que já entraram no mercado chinês reiteram a existência de um grande desconhecimento de Portugal e apontam o dedo à falta de compromisso dos representantes do governo de Lisboa no Continente.
“Os consumidores chineses associam o vinho a França e o futebol a Espanha. Não há um produto específico nem uma marca que sejam associados a Portugal, por isso é natural que o país não possua importância estratégica enquanto mercado,” afiança Wu Bin, director-geral da Abyss & Habidecor China. O gestor fundou há dez anos o projecto Market Access, que faculta apoia logístico às empresas portuguesas que queiram entrar no mercado chinês. Wu nota que há poucas oportunidades para os cidadãos da República Popular da China aprenderem mais sobre Portugal e sobre aquilo que o país tem para oferecer.
Wu critica também a falta de estratégia e de iniciativa dos agentes portugueses. “A concorrência leva milhas de avanço. Concorrentes de todo o mundo entram no mercado e andam à procura de parceiros chineses. Mas Portugal pensa: ‘como será que os consumidores chineses podem vir até nós?’. Quem fica à espera, quem não vem à China conversar e conhecer os consumidores, simplesmente fica fora do mercado”, explicou, falando num mercado gigante que exige acompanhamento e presença local. “Os políticos portugueses raramente visitam a China. A Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal tem duas pessoas e acolhe estagiários que ficam por um ano e depois deixam o país , enquanto a secção económica da embaixada espanhola na China tem quase duas dezenas”, sublinha o director da Abyss & Habidecor China. Wu Bin vai mais longe e diz mesmo que há empresários lusos quem vêm para a China ao engano: “Quanto aos empresários que investem, ficam uns dois anos e depois disso não há mais seguimento porque não têm alguém na China para acompanhar as mudanças no terreno e aproximar-se dos consumidores”, sustenta.
“O esforço tem de partir de todos. A newsletter é uma boa iniciativa, mas é um grão de areia; há um longo caminho a percorrer,” acrescentou Wu. “Quando Portugal começou a abrir os olhos para a China há cerca de oito anos, há muito que outros países europeus como a Alemanha, França ou Espanha estavam presentes”, recorda o especialista em investimento no mercado chinês, dando exemplos da falta de compromisso institucional e empresarial por parte do Executivo de Lisboa: “O Governo português não possui uma estratégia de investimento de longo prazo para a China e não sabe utilizar os recursos que tem. O Cristiano Ronaldo é o recurso mais atractivo do país, mas ele joga para si próprio; não está a promover o país. Mas o Governo podia utilizar este recurso para promover toda uma indústria, que é algo que uma empresa não pode suportar sozinha.”
Turismo, vinhos e golos
“Lembro-me por exemplo de os chineses adorarem tirar fotografias ao lado de uma imagem do Cristiano Ronaldo que esteve exposta no Pavilhão Espanhol durante a EXPO 2010 em Xangai,” contou Rita Marta, directora de exportação da Martha’s Wines na China, lamentando o facto que seja Espanha a capitalizar a imagem do futebolista para chamar atenção sobre o país.
Mesmo do ponto de vista do mercado dos vinhos - um dos mais desbravados pelas empresas portuguesas na China ao longo da última década - os problemas e os desafios mantêm-se. “Acho fantástico que existam iniciativas como esta de publicitar Portugal nas redes sociais, independentemente do número de pessoas que se alcança,” disse. “Para já vejo mais iniciativas individuais, não me parecem ser de organização governamental. Para um país tão grande como a China, é necessário que seja feito algo de índole colectiva, mais duradouro, com um peso significativo,” notou a especialista em vinhos, que trabalha no sector e vive em Xangai desde 2007.
Até ao final do ano passado, não era possível para um cidadão chinês não era possível acompanhar um bom vinho português em Xangai com pratos típicos portugueses: “A gastronomia anda lado a lado com os vinhos, ajudam-se mutuamente,” defende Rita Marta, explicando que os vinhos espanhóis e italianos beneficiam da presença de restaurantes da gastronomia do seu país porque “quem prova a comida, quer provar os vinhos”. A boa notícia é que em apenas seis meses, quatro restaurantes portugueses abriram portas em Xangai. Entre eles, oferecem iguarias que vão desde pregos e pataniscas, ao ensopado de borrego, com a possibilidade de acompanhar a refeição com branco, tinto e verde português e rematar o banquete com um pastel de nata.
O turismo é o outro sector que tem permitido que os chineses descubram mais sobre Portugal, apesar de não existirem ligações aéreas directas entre os dois países. O número de turistas chineses que visitaram Portugal nos últimos quatro anos mais do que triplicou, ultrapassando os 74 mil em 2013.
O número de visitantes chineses que procuraram Portugal no primeiro semestre do ano passado cresceu 69%, para 55 mil, em relação a igual período do ano anterior, de acordo com um estudo oficial apresentado pela Secretaria de Estado do Turismo durante o China International Travel Market, em Xangai.
A ocasião serviu para apresentar “Portugal tem o melhor do Mundo”, campanha lançada pelo Turismo de Portugal e que teve como embaixador Cristiano Ronaldo.
O Turismo de Portugal possui um representante em Xangai, porém as questões do PONTO FINAL foram remetidas para Lisboa e 10 dias não foram suficientes para obter uma resposta. O ministro da economia António Pires de Lima relembrou a intenção antiga, mas nunca concretizada, de uma ligação aérea directa entre Lisboa, Pequim e Xangai para aumentar o número de turistas chineses no mercado nacional, durante a visita oficial do Presidente Cavaco Silva à China em Maio de 2014. Para Wu, sem voos directos para Portugal o mercado continua mal servido e, sem uma estratégia de investimento concertada e de longo prazo, não há uma só empresa que, sozinha, tenha força para um mercado tão imenso. “Um milhão de renminbis é investido em publicidade em Portugal e toda a gente fica a saber; um milhão de renminbis investido em publicidade num pequeno distrito de Pequim tem um efeito diminuto”, salienta.
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quarta-feira, 6 de maio de 2015
Macau: "como vender Portugal aos chineses" *
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