sábado, 4 de fevereiro de 2012

Geografia - O Buda de Wat Traimitr - 2












"(...) Foi, pois, com o respeito que só a verdade da nudez torna absoluto que, calos ao léu, entrei humilde e temente, em Wat Traimitr e me prostrei aos pés da Figura Enorme enquanto meus pensamentos se voltavam para a Ocidental Praia que deixara distante e sorumbática, contando as últimas barras de ouro depositadas nos cofres do mui pobre e digno Banco de Portugal. Diante de mim estavam agora cinco toneladas, cinco mil quilos do precioso metal - feitos buda. Olhei, enfim, à volta para ver se alguém estava a reparar no que eu fazia e, cristão, por amor à minha terra, logo prometi converter-me ao budismo em nome dos mais altos e sagrados princípios patrióticos. Descalço, olhos esbugalhados, fralda de fora e de joelhos, mil vezes me curvei e outras tantas rezei o que sabia do catecismo da Primeira Comunhão, na doce esperança de que o buda compreenderia a desgraça. Porém, a Veneranda Imagem nem só uma lágrima verteu, nem só um grama de ouro deixou escorrer daqueles olhos profundos e sabedores com que eu sonhara no meio da minha desorientada experiência de português desta segunda metade do século XX. Contudo, ainda me pareceu, a certa altura, ouvir-lhe dizer:

- Se não estivesse aqui tanta gente, Irmão, eu coçava a barriga e talvez isso te desse sorte ... Assim, não posso: se a coço em teu favor, que és ocidental, logo os orientais se acercam de mim rejeitando o arroz que lhes tenho dado ...

Compreendi.

Olhei, apesar de tudo, implorante, e mais uma vez, o buda, pensei no meu País, mas, ao ver-me, pouco a pouco, rodeado de bonzos e de criaturas tão palidazinhas, tão amarelas - perdi a coragem de qualquer aventura e ... desisti de o trazer comigo para Portugal - onde vou, como é óbvio, na primeira oportunidade, mandar passajar as minhas lusitanas peúgas."

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