sábado, 2 de janeiro de 2010

Subsídios para a História - Macau 95 (III)


HOMENAGEM PÓSTUMA


ENTREVISTA com Monsenhor Manuel Teixeira (cont.)



Padre, gostaria - e acho que é uma pessoa extraordinariamente importante para me falar nisto - que, no meio desse universo de personalidades que constituem património cultural e humano de Macau, caminhando do presente para o passado, me escolhesse dez nomes de portugueses que tenham marcado a nossa presença aqui e porquê...


Para mim, os maiores portugueses foram os missionários, a sua obra. Por exemplo, a igreja de S. Paulo. É aquilo que vai permanecer de Macau. Os chineses não serão tão estúpidos que destruam S. Paulo. As Ruínas de S. Paulo são um monumento extraordinário de cultura, simbolismo, religiosidade, de tudo. É obra dos jesuítas, padre Carlos Spínola. É obra missionária.


Levantámos várias igrejas. Por exemplo, Santo António, que existe desde o início até hoje; a Santa Casa da Misericórdia, em 1569... São estas obras de beneficência, de religiosidade, que vão permanecer.


Eu falava de obras também, com certeza, mas, no caso, sobretudo, de homens... Citando
nomes e porquê, se possível...


Temos, por exemplo, o padre Mateus Ricci, que é o maior missionário da China e todo o mundo conhece este homem. Veio para Macau em 1582, estudou um ano chinês, absorveu a cultura chinesa toda (era um italiano, mas pertencia, como os demais, ao padroado português. É uma glória do nosso padroado)... Foi para a China e depois todos os missionários que estiveram cá, quer fossem portugueses, quer fossem estrangeiros, foram importantes. Por exemplo, o padre
Joanes von Schall von Bell salvou Macau.


Estamos no ano...


1622, em que 15 navios de guerra holandeses atacaram Macau, com mil marinheiros bem treinados para tomar o território. E esse homem, lá de cima, da Fortaleza do Monte, com um canhão, acertou no paiol da pólvora, explodiu tudo, matou o comandante e vários tripulantes e obrigou à retirada com o povo de Macau em sua perseguição. Isto foi no dia 24 de Junho de 1622 e como era dia de S. João Baptista, foram cortando a cabeça a esses homens. Cortaram 300 cabeças... Uma barbaridade tremenda que, infelizmente, ainda hoje a igreja continua a celebrar com grande solenidade, com uma procissão, com um sermão, com tudo...

Quer dizer, a celebrar a chacina, a decapitação de 300 homens, para emitar Herodes, que decapitou S. João Baptista.


Mas portugueses?... Lembra-se, com certeza, de vários...


Manuel Pereira, que foi um grande músico, professor de música do imperador Kang-Hi, que foi o imperador chinês mais culto (princípios do século XVIII). Foi mandado pelo imperador dividir a fronteira entre a China e a Rússia. Havia guerra e então foram os russos de um lado e o padre Manuel Pereira, do lado do imperador, a fazer a divisória das fronteiras. Tem, portanto, esse grande mérito. Conseguiu ainda que o imperador publicasse o Édito de Tolerância, porque a religião católica era perseguida pelos chineses. Isto na parte missionária. Quanto à parte política, o grande homem foi o governador João Maria Ferreira do Amaral, porque, até ele, isto era território chinês. Ele veio para aqui em 1846 e declarou que Macau era território português. Os chineses não gostaram e ele, então, mandou destruir a alfândega chinesa, expulsou o mandarim chinês que estava em Macau e o território passou a ser considerado português.


Mas, não se esqueça do que vai dizer, recentemente, acabaram-lhe com a estátua...


Sim. Eu aconselhei isso mesmo, porque vieram cá vários embaixadores. vários homens importantes de Portugal, que íam para Pequim, e eu andei a mostrar-lhes Macau e disse-lhes: "tenham cuidado porque esta estátua de bronze, em 1999, será destruída...Os chineses deitam-lhe uma bomba e vai tudo pelos ares. O melhor será recolhê-la e enviá-la para Portugal, para a salvar..."


Falei nisso várias vezes, porque tenho a experiência da Revolução Cultural, que houve em 1966. Os chineses tomaram conta de Macau e os desordeiros destruiram a estátua de Vicente Nicolau de Mesquita, que era a única estátua além da do Amaral. A estátua do Ferreira do Amaral não a levaram porque era demasiado pesada, de bronze, e não puderam fazer nada... Já foi uma experiência... E se não a levássemos para Portugal seria destruída com uma bomba pelos chineses e perdia-se assim um monumento artístico de primeira classe.


Mas, padre, agora, aí um pouco por todo o lado, e alguns enormes, estão a erigir monumentos à Amizade...


Sou muito amigo do governador Rocha Vieira e de forma alguma quero criticar qualquer coisa que ele tenha feito, mas, para mim, tudo isso é inútil. São fogos fátuos...


Eu tenho grandes amigos na China e um deles, grande professor universitário em Cantão, esteve aqui comigo e disse-me: "padre Teixeira, estes monumentos que agora estão a construir, de bronze, não vão durar nada... Assim que eles tomarem Macau, isto acaba tudo e então vendem o que sobrar aos pedaços..." De modo que, para mim. são, como disse, fogos fátuos, inteiramente inúteis...


Interrompi-o há pouco quando estava a referir-se a mais personalidades...


Além de Joaquim Ferreira do Amaral, temos o Vicente Nicolau de Mesquita, que quando os chineses cortaram a cabeça ao governador Amaral, quiseram invadir Macau. Então, as nossas forças, sob as ordens de um capitão, foram às Portas do Cerco e os chineses que estavam a bombardear as nossas forças, nem se mexiam... O coronel Mesquita disse: "ó rapazes, quem quiser morrer, siga-me!..." 36 homens seguiram-no até à Fortaleza de Pac-Sa-Leang. E Mesquita, à frente desses homens, seguindo, em fila indiana, o carreiro dos arrozais, foram à Fortaleza.

Aconteceu que o primeiro a saltar para dentro da Fortaleza foi um preto, um landim. E quando ele saltou, os 10 000 chineses que lá estavam disseram: "ó diabo, ó diabo..." - e fugiram todos por causa do diabo...

E, então, Mesquita, fez explodir os canhões da Fortaleza e trouxe a bandeira portuguesa em triunfo. É um grande herói de Macau. Levantaram-lhe, então, no Largo do Leal Senado, uma estátua de bronze exactamente na mesma ocasião que o fizeram a Ferreira do Amaral. Eu assisti, em 1940, por altura de dois centenários: o da Independência e da Restauração.

E nomes ligados à Cultura?...

Os nomes ligados à Cultura foram, sobretudo, os jesuítas. Traduziram para chinês 64 obras dos grandes génios da Europa. Em geral, claro.

Um dos que esteve em Macau (digo esteve porque já escrevi três livros a prová-lo) foi Camões. Logo no início, esteve aqui e é, em particular, uma das grandes glórias de Macau.


Acha que Camões, a título póstumo, pode ser considerado o cônsul honorário de Portugal, com, pelo menos, uma homenagem anual no futuro?...

Não só no futuro. Tem tido. Desde 1922 até hoje, cada ano, todas as escolas vão à Gruta...

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