HOMENAGEM PÓSTUMA
ENTREVISTA com Monsenhor Manuel Teixeira (cont.)
Síntese das primeiras TRÊS PARTES da entrevista com Monsenhor Manuel Teixeira:
- I Parte
Monsenhor Manuel Teixeira - porquê Macau.
-II Parte
"Macau é diferente de Hong Kong", a "Declaração Conjunta". O que fomos... E o "Caldo Verde"...
- III Parte
Estátua de Ferreira do Amaral, culto camoniano, acção missionária em Macau, decapitações, "retirada" da estátua de Ferreira do Amaral e "fogos fátuos..."
E como é que vai ser depois de 1999? Camões, Cônsul Honorário?...
Um grande vice-rei de Cantão, chamado Ki-Ying, todas as vezes que vinha visitar Macau (1840?) ia à Gruta de Camões a prostrar-se e a fazer os nove kau-tau (bater a cabeça). Então o Ki vinha todos os anos (até podia ser mais de uma vez por ano), ía à Gruta de Camões a fazer o kau - tau ao grande sábio do Oriente. Camões é venerado, não só pelos portugueses, mas pelos chineses e a mim parece-me que o seu busto vai continuar para sempre. O resto... Estes monumentos actuais vão desaparecer.
Mais...
Tivemos o Wenceslau de Morais. Tivemos o Camilo Pessanha. São dois grandes homens da literatura portuguesa. Viveram em Macau. O Camilo morreu em Macau e aqui está sepultado. O Wenceslau de Morais foi para o Japão e lá faleceu, mas passou muitos anos em Macau e é uma das suas glórias.
E nos tempos mais recentes, no domínio da pintura, por exemplo, das artes plásticas, da arquitectura...
Assim, que se singularizem extraordinariamente, não diria... Mas, pintores, há vários. Por exemplo, o Demé, que era um rapaz de Macau, que morreu há pouco, e que se notabilizou na pintura.
Outro grande homem, já no século passado, foi discípulo de Chinnery, que é o maior pintor do Ocidente Europeu na China. Teve um grande discípulo que tem várias pinturas no Museu Luís de Camões. Chamava-se Baptista. E esse até fazia concorrência ao Chinnery, porque se o Chinnery vendia, por exemplo, uma pintura por 100 dólares, ele vendia por 20, e, portanto, todos compravam as pinturas do discípulo em vez das do mestre. Mas foi o maior pintor que tivemos.
E, já agora, dez iniciativas com direito a compêndio de história...
Os portugueses aqui em Macau não fizeram grandes obras a favor de Macau, a não ser uma senhora que está esquecida e que era chinesa, mas daquelas chinesas que foram educadas pelos portugueses. Passou, de resto, a vida toda entre os portugueses - e falava português. Foi educada no Colégio de Santa Rosa de Lima e foi a maior benfeitora de Macau. Tem o seu retrato na Santa Casa da Misericórdia. É a única senhora, entre os benfeitores, que tem ali o retrato. Chamava-se Marta e casou pela igreja com um holandês chamado Merop.
Essa Marta, então, riquíssima, deixou toda a sua fortuna aos pobres: à Santa Casa da Misericórdia, aos conventos, dotes para as raparigas que se fossem casar... Uma fortuna tremenda!... Para mim, essa senhora foi a maior benfeitora de Macau. Infelizmente, não tem sido citada, não temos uma rua com o seu nome, nem coisa nenhuma... Eu já uma vez escrevi que é preciso homenagear o seu nome. No campo da assistência, foi notável.
Mas, padre, por exemplo, estava a olhar para a Ponte e a lembrar-me do seu autor... E, por associação de ideias, a pensar na obra recente do aeroporto e no que, eventualmente, isso pode, ou não, representar para o território...
Gostava que me falasse destas estruturas básicas e dos nomes que lhe estão ligados...
Quanto ao porto de Macau, já começou há um século. Em mil oitocentos e oitenta e tal começaram as obra do porto de Macau e continuaram por aí fora... Todos os governadores que vieram para cá, deitaram uma acha na fogueira, mas nenhum a completou. Só recentemente é que foi completada.
Quanto ao aeroporto, todos se dizem "pais" do empreendimento: Almeida Costa - "eu sou o pai do aeroporto";Melância - "eu sou o pai do aeroporto". São todos pais do aeroporto... Podiam ter sonhos, podiam ter planos, acredito, mas quem executou foi o Rocha Vieira. O Rocha Vieira é o grande homem aqui em Macau, e, dos últimos tempos, o maior governador do território!...
Estamos a falar de quantos anos para trás?...
Desde a Guerra para cá... Foi o homem que pôs em execução os sonhos dos seus antecessores. Eu posso concordar... Almeida Costa: "eu sou o pai, eu sou o pai..." Agora todos são os pais do aeroporto, mas não executaram aquilo que tinham na cabeça e o Rocha Vieira executou. Esta é talvez a maior obra da história de Macau.
Que expectativas se alimentam a partir do aeroporto, numa perspectiva pós-Portugal?
É necessário que Portugal corresponda ao desafio. Que a nossa TAP venha para aqui e se instale em força, porque Portugal ainda está em "vamos perder um milhão no primeiro ano..." Trata-se de Portugal continuar aqui em Macau, com a nossa frota aérea a ligar-nos ao Japão, à China, à Coreia, de modo que as nossas cores, a nossa TAP continue a ser pelo Oriente - que até agora não tem sido...
E Edgar Cardoso, enquanto autor de uma ponte, que também é elo de ligação, embora apenas entre parcelas do território?...
A primeira ponte foi Edgar Cardoso quem a construiu, de maneira que lhe tem o seu nome ligado. Agora esta segunda parte já não foi Edgar Cardoso. Esta segunda parte foi construída em três anos e tem talvez o dobro do tamanho da outra. Em Portugal, nem, provavelmente, em 10 ou 2o anos se fizesse...
Há quanto tempo foi inaugurada?
Há pouco tempo. Nos últimos 10 anos. Liga directamente Portugal à China e logo que os aviões comecem a aterrar aqui, podem ir, directamente, do aeroporto para a China.
Então, posso deduzir das suas palavras, mesmo num contexto de 400 anos, que, apesar de tudo, a grande obra de Macau é a obra missionária?...
Sim, sim!...
Isto leva-me a perguntar-lhe como é que uma comunidade católica, num território onde o budismo tem uma importância muito grande, consegue sobreviver agora e vai sobreviver no futuro?
Quanto à comunidade católica, nós os portugueses, fomos sempre tolerantes e, portanto, toleramos todas as religiões e damo-nos muitíssimo bem com todos...
Mas Buda é tolerante?...
(...eu sei que não devia terminar aqui esta parte da entrevista, mas que me desculpe quem, amável, me lê: é que a NET aconselha moderação... E, já agora, o intervalo para o chá, impõe-se... Até muito breve! À V Parte, mas não última, do que disse este Homem de Muitos Saberes.)
ENTREVISTA com Monsenhor Manuel Teixeira (cont.)
Síntese das primeiras TRÊS PARTES da entrevista com Monsenhor Manuel Teixeira:
- I Parte
Monsenhor Manuel Teixeira - porquê Macau.
-II Parte
"Macau é diferente de Hong Kong", a "Declaração Conjunta". O que fomos... E o "Caldo Verde"...
- III Parte
Estátua de Ferreira do Amaral, culto camoniano, acção missionária em Macau, decapitações, "retirada" da estátua de Ferreira do Amaral e "fogos fátuos..."
E como é que vai ser depois de 1999? Camões, Cônsul Honorário?...
Um grande vice-rei de Cantão, chamado Ki-Ying, todas as vezes que vinha visitar Macau (1840?) ia à Gruta de Camões a prostrar-se e a fazer os nove kau-tau (bater a cabeça). Então o Ki vinha todos os anos (até podia ser mais de uma vez por ano), ía à Gruta de Camões a fazer o kau - tau ao grande sábio do Oriente. Camões é venerado, não só pelos portugueses, mas pelos chineses e a mim parece-me que o seu busto vai continuar para sempre. O resto... Estes monumentos actuais vão desaparecer.
Mais...
Tivemos o Wenceslau de Morais. Tivemos o Camilo Pessanha. São dois grandes homens da literatura portuguesa. Viveram em Macau. O Camilo morreu em Macau e aqui está sepultado. O Wenceslau de Morais foi para o Japão e lá faleceu, mas passou muitos anos em Macau e é uma das suas glórias.
E nos tempos mais recentes, no domínio da pintura, por exemplo, das artes plásticas, da arquitectura...
Assim, que se singularizem extraordinariamente, não diria... Mas, pintores, há vários. Por exemplo, o Demé, que era um rapaz de Macau, que morreu há pouco, e que se notabilizou na pintura.
Outro grande homem, já no século passado, foi discípulo de Chinnery, que é o maior pintor do Ocidente Europeu na China. Teve um grande discípulo que tem várias pinturas no Museu Luís de Camões. Chamava-se Baptista. E esse até fazia concorrência ao Chinnery, porque se o Chinnery vendia, por exemplo, uma pintura por 100 dólares, ele vendia por 20, e, portanto, todos compravam as pinturas do discípulo em vez das do mestre. Mas foi o maior pintor que tivemos.
E, já agora, dez iniciativas com direito a compêndio de história...
Os portugueses aqui em Macau não fizeram grandes obras a favor de Macau, a não ser uma senhora que está esquecida e que era chinesa, mas daquelas chinesas que foram educadas pelos portugueses. Passou, de resto, a vida toda entre os portugueses - e falava português. Foi educada no Colégio de Santa Rosa de Lima e foi a maior benfeitora de Macau. Tem o seu retrato na Santa Casa da Misericórdia. É a única senhora, entre os benfeitores, que tem ali o retrato. Chamava-se Marta e casou pela igreja com um holandês chamado Merop.
Essa Marta, então, riquíssima, deixou toda a sua fortuna aos pobres: à Santa Casa da Misericórdia, aos conventos, dotes para as raparigas que se fossem casar... Uma fortuna tremenda!... Para mim, essa senhora foi a maior benfeitora de Macau. Infelizmente, não tem sido citada, não temos uma rua com o seu nome, nem coisa nenhuma... Eu já uma vez escrevi que é preciso homenagear o seu nome. No campo da assistência, foi notável.
Mas, padre, por exemplo, estava a olhar para a Ponte e a lembrar-me do seu autor... E, por associação de ideias, a pensar na obra recente do aeroporto e no que, eventualmente, isso pode, ou não, representar para o território...
Gostava que me falasse destas estruturas básicas e dos nomes que lhe estão ligados...
Quanto ao porto de Macau, já começou há um século. Em mil oitocentos e oitenta e tal começaram as obra do porto de Macau e continuaram por aí fora... Todos os governadores que vieram para cá, deitaram uma acha na fogueira, mas nenhum a completou. Só recentemente é que foi completada.
Quanto ao aeroporto, todos se dizem "pais" do empreendimento: Almeida Costa - "eu sou o pai do aeroporto";Melância - "eu sou o pai do aeroporto". São todos pais do aeroporto... Podiam ter sonhos, podiam ter planos, acredito, mas quem executou foi o Rocha Vieira. O Rocha Vieira é o grande homem aqui em Macau, e, dos últimos tempos, o maior governador do território!...
Estamos a falar de quantos anos para trás?...
Desde a Guerra para cá... Foi o homem que pôs em execução os sonhos dos seus antecessores. Eu posso concordar... Almeida Costa: "eu sou o pai, eu sou o pai..." Agora todos são os pais do aeroporto, mas não executaram aquilo que tinham na cabeça e o Rocha Vieira executou. Esta é talvez a maior obra da história de Macau.
Que expectativas se alimentam a partir do aeroporto, numa perspectiva pós-Portugal?
É necessário que Portugal corresponda ao desafio. Que a nossa TAP venha para aqui e se instale em força, porque Portugal ainda está em "vamos perder um milhão no primeiro ano..." Trata-se de Portugal continuar aqui em Macau, com a nossa frota aérea a ligar-nos ao Japão, à China, à Coreia, de modo que as nossas cores, a nossa TAP continue a ser pelo Oriente - que até agora não tem sido...
E Edgar Cardoso, enquanto autor de uma ponte, que também é elo de ligação, embora apenas entre parcelas do território?...
A primeira ponte foi Edgar Cardoso quem a construiu, de maneira que lhe tem o seu nome ligado. Agora esta segunda parte já não foi Edgar Cardoso. Esta segunda parte foi construída em três anos e tem talvez o dobro do tamanho da outra. Em Portugal, nem, provavelmente, em 10 ou 2o anos se fizesse...
Há quanto tempo foi inaugurada?
Há pouco tempo. Nos últimos 10 anos. Liga directamente Portugal à China e logo que os aviões comecem a aterrar aqui, podem ir, directamente, do aeroporto para a China.
Então, posso deduzir das suas palavras, mesmo num contexto de 400 anos, que, apesar de tudo, a grande obra de Macau é a obra missionária?...
Sim, sim!...
Isto leva-me a perguntar-lhe como é que uma comunidade católica, num território onde o budismo tem uma importância muito grande, consegue sobreviver agora e vai sobreviver no futuro?
Quanto à comunidade católica, nós os portugueses, fomos sempre tolerantes e, portanto, toleramos todas as religiões e damo-nos muitíssimo bem com todos...
Mas Buda é tolerante?...
(...eu sei que não devia terminar aqui esta parte da entrevista, mas que me desculpe quem, amável, me lê: é que a NET aconselha moderação... E, já agora, o intervalo para o chá, impõe-se... Até muito breve! À V Parte, mas não última, do que disse este Homem de Muitos Saberes.)
Querido Marcial Alves, aqui deixo um forte abraço neste inicio de 2010, desejando que o mesmo lhe seja muito melhor que o anterior.
ResponderEliminarBem podias começar a colocar aqui alguns dos seus escritos já publicados e de entrevistas feitas. Tens tanto coisa desconhecida de todos!
Bom Ano!
Querida Júlia, é bom saber-te desse lado. Muito obrigado pelas tuas palavras. Chegar aos 70 e...
ResponderEliminare ter "coisas" que os outros não conhecem é mais uma razão para viver.É o que tento fazer em pleno.
Tu que estás "nestas andanças" há muito tempo,encaminha os teus amigos também para aqui... Um abraço amigo do M.A.
Querida Júlia, foi tão bom ler o teu comentário.Agora é que eu estou no activo...Levei anos a colaborar na imprensa, mas, sabes, Júlia, AQUI é que é, de facto, um espaço livre e universal. Não é que eu tenha grandes razões de queixa, mas...Aqui, a liberdade é outra...Preciso, entretanto,(tu também me surpreendeste com o teu "ressurgimento"...) da tua colaboração na formação de uma rede de amigos das NOSSAS "palestras".Não de uma "sociedade do elogio mútuo", mas de um grupo, tão amplo quanto possível, de gente atenta as estes escritos soltos - para (pretensão) uma sociedade melhor, mais informada, mais dialogante.Conta comigo, no entanto, mais "literato" do que especialista nesta "geringonça" infindável... Bjs. Marcial.
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