quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Palavras "quase inéditas" de David Mourão-Ferreira

1982: na entrega do "Prémio Vitorino Nemésio", * no Estoril Sol

"(...) Ensaístas de tão diferente formação e de tão diferentes quadrantes como Eduardo Lourenço ou Maria de Lourdes Belchior, José Martins Correia ou Eduardo Prado Coelho, Joaquim Manuel Magalhães ou Vasco Graça Moura - que mais atentamente têm estudado a obra poética de Nemésio - mostram-se unânimes em reconhecer a sua grandeza de incomparável "inventor" neste domínio, e há mesmo alguns, entre eles, que não hesitam em como tal o colocar até acima do próprio Pessoa.

Em contrapartida, a sua obra ficionista - se bem que relativamente escassa (mas estas coisas não se medem aos palmos nas prateleiras das estantes) - ainda está longe de presentemente usufruir um semelhante ou análogo consenso.

Continua a valorizar-se, quase exclusivamente, esse de facto extraordinário romance que é Mau Tempo no Canal, quando as novelas de A Casa Fechada e os contos O Mistério do Paço do Milhafre (para apenas citar dois dos quatro restantes títulos da sua obra ficcionista) igualmente merecem, nos respectivos géneros, uma idêntica atenção crítica, porquanto igualmente constituem, em muito diversos registos de narração, outras tantas das mais indiscutíveis obras-primas com que definitivamente conta a literatura portuguesa de todos os tempos. Mas o certo - e já em parte tenho dado a entender, e dentro em breve espero vir a provar - é que a obra narrativa de Vitorino Nemésio foi sucessivamente objecto de duas formas de provinciano terrorismo literário - primeiro a dos presencistas, depois a dos neo-realistas-, tendo sido sistematicamente, por uns  e por outros, ou em parte silenciada, ou quase de todo escamoteada ou diminuída (como a de Rodrigues Miguéis, a de Tomaz de Figueiredo, a de Domingos Monteiro, a de Branquinho da Fonseca, a de Miguel Torga) a favor de muitas outras que de modo algum as alcançam no enlace da imaginação e do estilo, quando não mesmo a favor de subprodutos de pacotilha (...)."

* Sugestão de M.A., ao serviço de "O Dia", de que V.N. tinha sido director.

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