sábado, 9 de outubro de 2010

Palavras em saldo (antes que se iniciem as Comemorações do 101º Aniversário da República...)


11º DIA (aproveitem os saldos)

in "Um Escritor Confessa-se", de Aquilino Ribeiro:

"... sofri um baque de vago e aziago pressentimento quando entrou pela janela entreaberta da mansarda uma lufada de sons que me pareceu singular. Abri a vidraça e até onde se podia estender ao meu raio visual, quebrado pelo ressalto do telhado, vi gente, gente que corria de baixo, singularmente ou por cachos. Vinha do Largo do Pelourinho, da Rua do Comércio, como que tocada por um látego invisível, e, com maneiras descompostas, deitava a correr pela Calçada de São Francisco e a Rua Nova do Almada, como pontos de refúgio (...). Ao mesmo tempo, chegou-me aos ouvidos uma zoada, cortada de gritos e estridências que não soube explicar. E disse para comigo: então isto era a sério?

(...) Mas casualmente olhei para as janelas da Boa Hora, onde havia um posto de guarda, e notei que os soldados experimentavam as espingardas abrindo e fechando repetidas vezes a culatra móvel e metendo balas na recâmara. E fiquei todo desassossegado.

(...) Subitamente abriu-se a porta de arranco e entrou no meu quarto Tavares de Melo, ao tempo redactor da Vanguarda, que era visita da casa:

- Mataram o rei e não se sabe quem mais da família real...

-Mataram o rei!? Que grande desacerto! - exclamei, não de pasmo nem de afogo, emoções próprias do súbdito comum de três dinastias, mas o republicano, que via ir por água abaixo as suas esperanças e o fruto da messe que alourava."

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