"São oito horas da noite. Hoje houve cheia na rua onde moro. Não consegui vir cedo para casa. Cedo, quer dizer, mais cedo, pois, habitualmente, à tarde, depois de sair do emprego e almoçar aí num restaurante qualquer, costumo dar uma volta pela "baixa" saboreando não sei bem o quê, mas, no entanto, procurando dar ao espírito novos ares que não os daquelas quatro paredes, meio cinzentas, meio de vidro, do "atelier".
(...) Apetecia-me escrever, dizer ao papel "tudo", confessar-me. Não, não! o dia correu-me bem, não houve assim nada de especial. Simplesmente, apetecia-me escrever. Não sei bem o quê. (...) Sei que estou frente a um papel com lápis em punho a fazer desenhos que os antigos modernizaram e chamaram escrita.
Nesta escrita não tenho (...)"
É aqui que vem em meu auxílio um artigo de André Maurois, da Academia Francesa, que, curiosamente, fui encontrar no mesmo maço de "papéis velhos" onde, manuscrito a lápis, se encontrava o, acima, esboceto de qualquer coisa...
Vale, no entanto, pouco o esboceto, mas importa, no essencial, para dizer aos hesitantes da prosa, se os há, que "tudo vai no começar..."
Importante é, isso sim, ler Maurois (cala-te, Marcial, que, nem quando te chamaram poeta, o outro, claro, foste brilhante, digo eu...Embora haja teses a teu respeito...).
Em caixa alta, pois...
André Maurois:
"TEM A INTENÇÃO DE APRENDER A ESCREVER BEM? DOU-LHE RAZÃO. ACHO NATURAL. DE NADA SERVE TER IDEIAS JUSTAS SE NÃO SABE EXPRIMI-LAS. A PALAVRA, MESMO A PRÓPRIA ELOQUÊNCIA, NÃO BASTAM, PORQUE AS PALAVRAS VOAM. UM TEXTO FICA; AQUELES A QUEM ELE SE DIRIGE PODEM RELÊ-LO E MEDITÁ-LO. (...) PARA ESCREVER BEM É PRECISO TER CULTURA. NÃO É NECESSÁRIO ESTAR AO CORRENTE DA LITERATURA MAIS MODERNA. É PREFERÍVEL O CONHECIMENTO DOS GRANDES CLÁSSICOS, QUE FORNECEM EXEMPLOS E CITAÇÕES. (...) NÃO SE ESCREVE COM SENTIMENTOS, ESCREVE-SE COM PALAVRAS. PRECISAIS DE CONHECER MUITAS E DE SABER O SEU SENTIDO EXACTO. SE ASSIM NÃO FOR, EMPREGÁ-LAS-EIS A TORTO E A DIREITO, E O LEITOR NÃO VOS COMPREENDERÁ. A ACADEMIA FRANCESA CONSAGRA UMA SESSÃO A DEFINIR TRÊS OU QUATRO PALAVRAS.
(...) DEVEM-SE TER AUDÁCIAS DE LINGUAGEM E DE ESTILO? PODE-SE, DE LONGE EM LONGE, DESPERTAR UMA FRASE POR UMA EXPRESSÃO VULGARÍSSIMA? RESPONDERIA AFIRMATIVAMENTE SE A PESSOA EM QUESTÃO FOSSE DOTADA, AO MESMO TEMPO, DA AUTORIDADE E DO BOM GOSTO NECESSÁRIOS (...)."
E é tudo. Vou ver se sou capaz de continuar o "São oito horas da noite...", que me parece bem... Modéstia à parte. Até breve. Mais cedo do que as oito da noite...se possível...
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