sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Think, andam por aí com puta dores

1970 - realidade vivida e... e desabafada nos, agora, "papéis velhos":


"O silêncio não era total. No entanto, as portas eram duplas e o tecto recebera um tratamento especial que abafava todos os ruídos que, eventualmente, pudessem  vir do piso superior. Nem o zumbido de uma mosca havia a perturbar a atmosfera que desejavam tranquila. Tinham, por isso, unicamente a palavra as máquinas que, embora concebidas para não produzirem ruídos, não os conseguiam evitar quando se tratava de deitar cá para fora infindáveis listas de papel com buracos à esquerda e à direita e dígitos por todos os lados.


Então o silêncio era quebrado. De resto, apenas três homens de bata branca ali andavam carregando botões.

De quando em vez, vinha um ou outro de uma sala contígua que trazia uma espécie de bobina de filmes, desses que a gente vê nos cinemas. Meia dúzia de palavras ouviam-se então, mas sem jeito de linguagem humana.


Entretanto, iam-se acendendo luzes vermelhas, sinais esquisitos a que aqueles homens da bata branca correspondiam quase sempre com um gesto preciso, mecanizado. E as luzes vermelhas apagavam-se. Outras, entrementes, acendiam-se. E o silêncio era quase total. Nem uma mosca, nem uma palavra de gente, uma graça: apenas o barulho do papel a sair de uma máquina como lenços de ilusionista a "nascerem" do cartucho de jornal. Sempre mais, mais um em ritmo uniforme, mas aqui perante a aparente indiferença dos da bata branca.

Para além do quase silêncio que se verificava era também a monotonia do branco: paredes brancas, tectos brancos, batas brancas...


Nem uma flor. Apenas nas paredes uma legenda: "think". Pense! Com efeito, ninguém falava. Todos pensavam. Mas em quê?

Tudo branco. Tudo silêncio.

"Não, não, não! Basta! Estes homens dão em doidos. Luzes que se acendem. Luzes que se apagam. Vermelho, amarelo. Bobinas. Dígitos. Códigos. Programas. Batas brancas. Paredes, tectos brancos. Solidão. Basta!...

Mas abandonar as máquinas? Não, não, também não!

Encruzilhada.Que fazer?

In for má ti ca? É a informática?...

Desculpe, aqui é Waterloo. Queira recuar!... Traga-me flores. Rosas vermelhas. Pinte-me estas paredes de cores alegres. Não pode?... Micróbios? Os micróbios matam? E o branco? Não pode haver poeiras?  Vai matar as máquinas?"

Think!  Era a ordem. E todos ficavam ali em profunda meditação... Por ordem da IBM, que tinha uma policlínica para todos os casos... Onde se fazia pagar bem, claro.

Estava-se na pré-história. Do computador. Desta "coisa" - que veio ao mundo em formato gigante.Na segunda metade do século passado - ou antes, parece...

Entretanto, tudo evoluiu: hoje já se podem ter flores ao pé da "máquina" e até ir para o jardim brincar com ela ...Chamam-lhe com puta dor.

Aumentou foi a dependência... Tem que se "tomar" todos os dias... Mas continua a haver policlinicas disponíveis. Até mesmo para desarranjos nos operadores, que, eventualmente, podem ser vistos, por exemplo, na avenida do Brasil, em Lisboa, ou ... ou no...

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