* no original, Vilancete
Catarina bem promete
Cantar Velho
Catarina bem promete:
Ora má! Como ela mente!
Voltas
Catarina é mais formosa
Para mim, que a luz do dia;
Mas mais formosa seria,
Se não fosse mentirosa.
Hoje a vejo piedosa,
Amanhã tão diferente
Que sempre cuido que mente.
Prometeu-me ontem de vir,
Nunca mais apareceu.
Creio que não prometeu
Senão só por me mentir
Faz-me, enfim, chorar e rir:
Rio quando me promete,
Mas choro quando me mente ...
Jurou-me aquela cadela,
De vir, pela alma que tinha;
Enganou-me: tinha a minha,
Deu-lhe pouco de perdê-la ...
Porque ma dá se promete,
E tira-me quando mente.
Má, mentirosa, malvada,
Dizei: porque me mentis?
Prometeis, e então fugis!
Pois sem tornar, tudo é nada
Não sois bem aconselhada,
Que quem promete, se mente,
O que perde não no sente ...
Tudo vos consentiria
Quanto quisesseis fazer
Se este vosso prometer
Fosse por me ter um dia
Todo então me desfaria
Com gosto; e vós, de contente,
Zombaríeis de quem mente ...
Mas, pois folgais de mentir,
Prometendo de me ver,
Eu vos deixo o prometer,
Deixai-me vós o cumprir
Haveis então se sentir
Quanto fica mais contente
O que cumpre, que o que mente.
Catarina me mentiu
Muitas vezes, sem ter lei
E todas lhe perdoei,
Por uma só que cumpriu.
Se, como me consentiu
Falar-lhe, o mais me consente,
Nunca mais direi que mente ...
Luís de Camões
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