* Eu explico: este apontamento (1978) publiquei-o em À Sombra da Minha Latada e referia-se ao livro então à venda, um pouco por todo o lado, com o título "Aproveitamento de Sobras". Republico-o agora que a República está a precisar ... Eventualmente, com novas sugestões ...
"Há por aí à venda um livro que, a meu ver, vai ficar na história como uma das edições mais úteis que se fizeram até hoje em Portugal.
Chama-se ele "Aproveitamento de Sobras" e trata, naturalmente, da forma de cozinhar os excedentes de cada dia. Excedentes em bom estado, entenda-se. De qualquer modo, sobras - o que não deixa de ser, em princípio, um sintoma do franco optimismo que norteia o editor. O certo é que para existirem sobras tem que haver comida e para esta existir é sinal de que não há fome.
Estamos, pois, "felizes e contentes": Portugal tem sobras.
Contrariamente ao que se diz, há comidinha a mais na nossa casa.É por isso boato o que se ouve falar, relativo ao espectro da fome que já pairaria sobre nós. Não senhor: há paparoca para todos. E sobras.
A leitura do livro impõe-se, embora não seja urgente, já que, pelos modos, ainda ninguém deixou de comer a sua refeiçãozinha.
Por muito estranho que pareça, contudo, o simples facto de ter lido aquele título tão optimista, deixou-me preocupado. Sem saber bem porquê. Ou melhor: assaltou-e a ideia estúpida, com certeza, de que as sobras de que o livro trata são as que o estrangeiro nos dá - depois de se ter regalado com a comidinha acabada de fazer a partir do produto do seu trabalho intenso e continuado. Para nós estaria reservado o papel de aproveitadores das sobras alheias. Comeríamos, assim, tudo em 2ª mão (...)"
Isto foi o que escrevi, e publiquei, em 1978, como referi ... Parece-me, no entanto, que perdeu actualidade: é que, agora, com frequência, nem sobras há ... Que o estrangeiro está quase na mesma ... É a CRISE.
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