quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Macau: quem é, o que pensa Ho Chio Meng? A ENTREVISTA


“Gostaria de vir a fazer parte do Governo”

 by Ponto Final
PF 3134_capaMais de cinco anos depois de ter sido dado como candidato a Chefe do Executivo, Ho Chio Meng assume total interesse por uma carreira política e está disponível para liderar o Governo – nem que seja em 2019, aos 64 anos.

Sónia Nunes

"Por esta porta está prestes a entrar um homem que divide Macau, apesar do perfil reservado e avesso a entrevistas. Exemplo de integridade para uns, demasiado próximo do primeiro sistema para outros, Ho Chio Meng é um enigma desde que, em 2009, foi apresentado pela revista China Profiles, da Liga de Juventude Comunista Chinesa, como o grande rival de Chui Sai On. Era então o mais forte candidato a Chefe do Executivo, ao somar 26 anos de carreira judiciária em que foi juiz, adjunto do Alto Comissariado Contra a Corrupção e a Ilegalidade Administrativa e, por fim, Procurador da RAEM. Foi mantido no lugar até hoje e chega sorridente a esta sala de reuniões do Ministério Público. Passaram-se três dias desde que foi anunciada a sua substituição por Ip Son Sang, a 20 de Dezembro. Vai confirmar o que foi escrito há cinco anos: tem grande queda para a política.

– Quando, em Outubro, discursou na abertura do ano judiciário tinha presente que seria a última intervenção pública enquanto Procurador da RAEM?
Ho Chio Meng – Não usei a expressão “última vez”, mas senti necessidade de fazer um balanço ao final de 15 anos de trabalho no Ministério Público (MP). Queria incentivar as pessoas a pensar sobre o que foi feito e sobre o que não houve ainda oportunidade de fazer. Também já previa que o futuro iria trazer uma mudança.
– E agora? O que vai fazer a partir de 20 de Dezembro?
H.C.M. – Fui a primeira pessoa a ser nomeada como Procurador da RAEM. Vou continuar no MP. Mas pretendo fazer algo mais no futuro. O quê? Neste momento ainda não sei.
– Manter-se-á na área da justiça ou pretende avançar para a política?
H.C.M – Por enquanto, na área jurídica: pertenço ao quadro do MP. Para que possa desenvolver uma carreira política preciso que haja, antes de mais, uma mudança.
– Que tipo de mudança?
H.C.M. – De trabalho. Tenho de ser nomeado para exercer uma função concreta.
- Que dizer que está totalmente disponível?
H.C.M. – Com certeza. Aceitarei uma proposta de nomeação para qualquer função [no Governo]. Ainda não reúno condições para me aposentar e fico contente por ter mais oportunidades para contribuir para sociedade de Macau.
- Em 2009 era mais popular do que Chui Sai On nas sondagens para segundo Chefe do Executivo e foi dado como candidato até ao último momento. Esta possibilidade só se coloca agora em 2019. O que aconteceu aqui?
H.C.M – Gostaria de vir a fazer parte do Governo, mas esta possibilidade não depende de mim. Não me cabe a mim escolher. Não é uma opção minha.
– É do Governo Central.
H.C.M – Sim, tal como a nomeação para Procurador.
– O que o leva a crer que daria um bom Chefe do Executivo?
H.C.M – (Risos) Não posso responder a essa pergunta neste momento.
– Terá pelo menos presente a opinião pública e o perfil que lhe foi traçado pela Liga da Juventude Comunista Chinesa há cinco anos. Era elogiado pela imagem de integridade e legalidade, em contraste com a censura feita à forte actividade empresarial da família de Chui Sai On em Macau.
H.C.M. – Não posso adivinhar a resposta para as coisas do passado. É passado. O que posso fazer é olhar em frente, para o futuro. O que posso dizer é que desejo o melhor futuro para Macau, uma boa vida, feliz e harmoniosa, para toda a gente de Macau, portugueses e chineses.
– No balanço oficial sobre o estado da RAEM, é costume destacar-se a criação do modelo de um único Ministério Público para os três tribunais, em vez de serem criadas três instâncias. É por isto que quer ser lembrado?
H.C.M. – É-me difícil fazer um balanço. Uma coisa é certa: criei um modelo de MP que não existia antes da transferência [de poderes de Portugal para a China]. O meu contributo foi grande. Este sistema funcionou bem ao longo destes 15 anos. Lidámos com muitos, muitos, processos [desde 2005 que a média está entre 12 mil a 14 mil casos por ano]. Mas o mais importante é que, durante todo este processo, conseguimos salvaguardar a independência judicial. É este o contributo que deve ser visto como um grande orgulho para todos os magistrados de Macau.
– É visto por uma parte da opinião pública como um homem do primeiro sistema, um defensor da maior aproximação do Direito de Macau ao sistema legal da RPC. É uma observação justa?
H.C.M. – Essa afirmação desvia-se da realidade. É injusta para mim. O que eu penso é isto: o Direito de Macau é oriundo do de Portugal mas depois da transferência assistimos a grandes mudanças. Temos hoje de ter em conta que 95 por cento da população é chinesa. Um factor muito importante a considerar é a cultura, que sempre influenciou a evolução do Direito. E em relação ao Direito de Macau temos de considerar a cultura chinesa. Estudei língua e cultura portuguesa, e estudei Direito na Universidade de Coimbra e na Universidade de Pequim. Sei muito bem quais são as divergências e convergências entre os dois sistemas – e sempre considerei estes aspectos na minha intervenção para a evolução do Direito de Macau.
- Reformulo a pergunta: dentro da dinâmica “Um país, dois sistemas” para onde encaminhou Macau?
H.C.M. – É preciso criar um sistema de Direito que considere as especificidades de Macau. Falo de uma conjugação entre as características do sistema português com as de Macau.
- Mais do que uma conjugação, falamos de tensões. Há normas legais que, apesar de terem a mesma redacção, têm interpretações diferentes (e até contraditórias) em Macau e em Portugal.
H.C.M. – Onde não podemos ceder é nos valores fundamentais: na igualdade perante a lei, no princípio de justiça, na defesa dos direitos humanos e dos princípios conferidos pela Lei Básica, como o uso do português e do chinês enquanto línguas oficiais.
- E em termos de direitos civis e políticos?
H.C.M. – Essa é uma esfera muito grande do Direito. Reforço a ideia: temos de manter os princípios básicos e os valores universais, que todos reconhecem. A questão da mudança tem de ser gerida com muita cautela. Só quando houver um consenso de que algo prejudica a defesa dos direitos fundamentais ou a salvaguarda da igualdade e da justiça, só nesse momento é que devemos pensar em mudança.
- Coloco a questão da cooperação judiciária em matéria penal com a República Popular da China. O Governo Central não aceita as regras internacionais para a entrega de infractores em fuga, que são imprescindíveis para Macau nos acordos com outros países.
H.C.M. – Há aqui duas situações diferentes. Ao nível internacional temos assinado uma série de protocolos e temos um mecanismo de cooperação – este processo tem vindo a decorrer com muita suavidade. Já ao nível da cooperação com Hong Kong, Taiwan e a China, a situação é outra. Existem dificuldades que têm que ver com as diferenças entre os sistemas, o que influencia a aplicação do Direito.
- Há três princípios que Macau segue – recusa de extradição por crime político, não transferência de infractores quando em causa estão crimes condenáveis com pena de morte e não entrega de residentes locais – e que são inegociáveis para o Governo Central. Alguém vai ter de ceder. Quem?
H.C.M. – Estas dificuldades estão a ser discutidas pelas autoridades. A minha opinião é que a cooperação judicial em matéria penal não pode contrariar a legislação de Macau – é este o maior princípio a respeitar. Estou confiante de que a ‘intelligentsia’ vai conseguir encontrar uma solução. O acordo com Hong Kong será assinado primeiro, daqui podemos tirar ensinamentos.
- Ainda assim há diferenças entre as duas regiões. Em Hong Kong há prisão perpétua, por exemplo.
H.C.M. – Esses problemas serão resolvidos. O principal princípio a seguir é que a cooperação não contrarie a legislação de Macau.
- Terá de seguir sempre as regras internacionais. É isso?
H.C.M. – Em principio, sim.
- Em Outubro disse que o MP lidou com 100 casos de cooperação judiciária penal e civil. O Supremo Tribunal Popular revelou em Março que foram julgados no interior da China mais de 15 mil casos que envolveram Hong Kong e Macau – tudo isto sem que haja um quadro legal. Que garantias ou que confiança pode haver numa justiça exercida assim?
H.C.M. – O mecanismo que usamos é o da investigação conjunta, entre Macau e a China, e em casos individuais. Tem de haver consenso de todas as partes: se os interessados no processo não concordarem com esta investigação não podemos continuar.
- Da parte dos advogados há a convicção de que existem cada vez mais casos de chineses não-residentes acusados de crimes em Macau que são julgados à revelia e entregues à China, sem se aperceberem que autorizaram a que assim fosse. Falam mesmo em pseudo-julgamentos.
H.C.M. – Não estou a par desses casos. Dependemos do esforço dos advogados. São eles quem tem a oportunidade de interpor recurso, de contestar. Até certo nível podemos, por esta via, defender os interesses dos arguidos ou das partes envolvidas. Os advogados podem ter um papel mais activo. É melhor.
- No discurso de abertura do ano judiciário, usou uma expressão que em português foi traduzida como “andamos cansados”. Estão cansados de quê?
H.C.M. – A tradução foi bem feita. A intenção era apenas elogiar os nossos colegas, são muito trabalhadores. Houve um grande aumento de turistas, o que resultou num maior volume de processos. Por outro lado, a idade dos magistrados é cada vez mais avançada e o regime de regalias não acompanhou este trabalho e esforço.
- O Conselho dos Magistrados do Ministério Público chegou a apresentar uma proposta de aumento salarial e de melhorias no sistema de aposentação. Receberam alguma resposta do Governo?
H.C.M. – Já apresentámos várias propostas mas não recebemos qualquer resposta. Lamento um pouco esta situação. Estas melhorias são muito importantes para o desenvolvimento do MP e para elevar o espírito de trabalho dos magistrados. A última proposta foi feita em 2013. O ponto mais concreto tem que ver com o tempo de antiguidade: só conta a partir do momento em que se ingressa na carreira judicial; o tempo de carreira anterior não conta. Há já casos em tribunal sobre esta questão. Falta alguma dignidade à profissão: enquanto outros funcionários já beneficiaram de uma mudança nas carreiras, de um regime de subsídios e regalias, nós não. Não digo que não temos nada, mas temos pouco. E isto afecta o desempenho.
- O processo de corrupção contra o ex-secretário para os Transportes e Obras Públicas foi o grande caso nestes 15 anos. Apesar de Macau com este processo ter mostrado que o sistema judicial funciona, Ao Man Long é o único dos arguidos que se encontra ainda a cumprir pena de prisão – os restantes estão em liberdade, apesar de alguns terem também sido condenados a mais de 20 anos de cadeia. Isto não prejudica a imagem da justiça?
H.C.M. – Concordo que o julgamento de Ao Man Long teve um efeito positivo, mas também afectou a imagem do sistema judicial. Quero, porém, salientar que o julgamento à revelia dos arguidos é um princípio que deve ser respeitado. O que podemos fazer é tentar resolver a situação através da cooperação judiciária. O MP tem envidado muitos esforços nesta área.
- Em relação a este caso foi tudo investigado? Todos os indícios, todas as pistas deixadas nos Cadernos da Amizade foram explorados?
H.C.M – Ao nível do MP a investigação foi concluída. Em relação às outras autoridades não me é conveniente fazer comentários"

Sem comentários :

Enviar um comentário

Seguidores