Lou Shuo
"O que são valores ocidentais e chineses? É possível separá-los? Estas são algumas das interrogações que quatro estudantes e professores a trabalhar na China levantam ao PONTO FINAL em reacção às declarações do ministro chinês da Educação, Yuan Guiren, que defendeu no passado dia 29 que as universidades e colégios do país "nunca devem permitir livros escolares que promovam os valores ocidentais".
Mal pensa na forma como essa medida poderia ser aplicada na prática, Li Wei, aluno da pós-graduação de Comunicação da Universidade Renmin, em Pequim, percebe que ia trazer problemas para as suas aulas.
"[No meu curso] há muitos materiais importados directamente dos países estrangeiros [pois] o próprio enquadramento teórico da cadeira de Comunicação vem do Ocidente", relembra o estudante ao PONTO FINAL.
Aliás, na opinião do aluno, o desenvolvimento académico chinês ainda está numa fase em que segue o caminho do Ocidente, sendo que a tendência de intercomunicação de ideias entre etnias e países diferentes é uma onda irreversível, acredita.
"O que aconteceria se o Governo se esforçasse realmente para limitar os livros com valores ocidentais que estão nas universidades?", questiona Li Wei.
Na sua intervenção no final do mês passado, para além de falar na limitação de manuais, o ministro da Educação também mencionou que se deveriam limitar ideias veiculadas nas instituições de ensino superior - as suas palavras foram ditas num seminário que juntou os responsáveis do sector do ensino superior do país.
"Devemos combater observações que difamam a liderança do Partido Comunista da China e o socialismo ou violem a Constituição", disse o responsável, parafraseando posições que reflectem o conteúdo de um documento divulgado pelo Conselho de Estado a 19 de Janeiro.
Mais uma vez, estas são ideias que o estudante de Comunicação também questiona.
"O Marxismo, que representa os valores principais da China, foi exactamente importado do Ocidente", relembra. Em termos gerais, Li Wei considera que o discurso de Yuan é quase uma "brincadeira internacional" e é revelador da falta de "confiança cultural" da China numa época de globalização.
Uma posição partilhada por Shen Kui, professor de Direito da Universidade de Pequim, que ao escrever um texto no seu blogue pessoal onde criticava o ministro no final de Janeiro suscitou grande debate entre a classe política e universitária tanto online como também noutros espaços de discussão pública.
"O comunismo europeu que se desenvolveu há dois séculos provocou o nascimento do Partido Comunista Chinês", recordou o académico num artigo em que criticou "a grande confusão do discurso" do ministro e em que questionou o responsável: "Como distingue os valores ocidentais e os valores chineses?".
Além disso, Shen Kui pediu que Yuan fosse "mais cauteloso" nas suas declarações, pois o académico acredita que há possibilidades de o ministro ter violado a lei chinesa com as suas palavras.
“Segundo a nossa Constituição, é obrigatório insistir no educação do Marxismo, do Internacionalismo, do Comunismo, do materialismo dialéctico e do materialismo histórico que são todos nascidos no Ocidente”, defendeu Shen.
Mil projectos universitários entre China e Ocidente
Apesar de as autoridades revelarem a intenção da proibir materiais que contêm valores ocidentais nas universidades do país, este fenómeno parece contrário ao seu objectivo de manter a “integridade política” nos campus universitários. É que neste momento há um elevado número de universidades internacionais criadas no Continente, numa tendência que o jornal Financial Times até descreve como demonstrativa da ambição das universidades ocidentais em “terem um impacto a longo prazo em outras instituições” do país.
De acordo com o site do Ministério de Educação da China, até Outubro do ano passado havia mais de um mil projectos e instituições de ensino superior que resultavam da cooperação entre a China e países estrangeiros e que foram aprovados pelo Governo Central. Entre eles estão universidades de renome mundial, tais como, a Universidade de Nova Iorque em Xangai (em parceria com a Universidade Normal do Leste da China), a Universidade de Nottingham em Zhejiang (em cooperação com o colégio Changjiang) e a Universidade de Xian Jiaotong – Liverpool (XJTLU), que resulta da cooperação entre a Universidade de Liverpool e a Universidade de Xian Jiaotong.
Segundo David O'Connor, director responsável pelas pós-graduações da XJTLU e chefe do departamento das ciências biológicas, “todos os programas de graduação são ensinados em inglês, a maioria dos livros usados são importados também e dois diplomas são atribuídos aos alunos: um da Universidade de Xian Jiaotong da China e outro da Universidade de Liverpool”.
Aliás, a partir da sua experiência na China (o académico ajudou a fundar a universidade em Fevereiro de 2012), David afirma ver “diferenças profundas entre o sistema do ensino superior da China e do Ocidente".
“O sistema de educação ocidental é actualmente melhor na produção de criadores e inovadores”, defende David O'Connor.
Já em relação ao discurso do ministro da Educação, David defende que “é difícil que os livros causem questões controversas e ofensivas”, pois os seus conteúdos geralmente abrangem conhecimentos universais. Para o académico, a questão-chave decorrente do discurso de Yuan é saber "o que são valores ocidentais”, sendo que mesmo “no Ocidente, existe uma pluralidade de pontos de vista da definição de valores ocidentais”.
David O'Connor refere ainda que se o Governo Central se decidir mesmo por rejeitar os livros ocidentais, isso será “extremamente prejudicial para a China, tanto em termos de sua capacidade de realizar investigações modernas e também para a sua economia”, devido aos “conhecimentos limitados” que os alunos poderiam obter.
Por seu lado, Tiago Freire, docente do Departamento de Economia da XJTLU, acredita que “esta política não vai afectar a investigação científica ou a economia chinesa”, já que “a maior parte da investigação é feita com base em artigos académicos que contêm os resultados científicos mais recentes, e não em manuais”, diz.
O académico assinala também que “é importante que os professores desenvolvam um espírito crítico nos alunos" e, em particular, "a capacidade de discutir racionalmente factos e opiniões, e não apenas aceitar tudo o que vem nos manuais”.
"Na verdade ninguém liga"
As declarações de Xi Jinping, em Dezembro do ano passado, foram claras. “As universidades assumem as importantes tarefas de propaganda do Marxismo e de cultivar os construtores e os sucessores de causa socialista com características chinesas”, apontou o Presidente, numa reunião onde se pretendia melhorar a ligação entre o partido e o ensino superior, realizada em Pequim.
Neste momento, os cursos ideológicos e políticos são lições obrigatórias para todos os estudantes chineses, especialmente nos campus universitários.
Mas para Li Wei, esta disciplina “não tem muita importância” pois os seus “conteúdos aborrecidos” acabam por ter “pouca influência entre os estudantes”.
“Os alunos conseguem obter informações de canais diversificados, como na Internet”, remata o estudante de Comunicação que teve esta disciplina no primeiro ano da sua licenciatura.
No entender do aluno, para que se construa um sistema de ensino superior com características chinesas é “necessário que o Governo Central controle a educação de ideologias e políticas nas universidades”. Mas Li Wei defende ainda assim que “as autoridades devem dar espaço à difusão livre de outras ideias, pois há limites mesmo em qualquer tipo de controlo estreito”.
A ideia de Li é partilhada por outro aluno de Direito da Universidade de Wuhan, Sun Yue. Frequentar as aulas de educação nacional tiveram uma “influência zero” na sua formação. Elas são apenas uma forma de o aluno não ser reprovado no final do semestre, admite o próprio.
“Não acho que sejam precisas aulas. Na verdade, ninguém presta atenção. Quando oiço o professor não fico com uma impressão clara em relação ao conteúdo da lição”, admite Sun."
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