quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Os primos de Fernão Mendes Pinto - folhetim ( II ) *

Para José Minhoto, presidente da Junta de Freguesia do Dominguizo

De uma palestra feita em Santarém, 1993 - a convite dos Rotários

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Podia falar-vos, entretanto, de outra gente nossa, bem sucedida, na pátria de "mon ami Mitterrand": Manuel Rodrigues, guarda da prisão-museu da Conciergerie, guia turístico e pintor; Celina, a porteira-escultora, casada com um português que se diz decorador de profissão e pintor de construção civil nas horas vagas (em casa das tais "madamas" de Paris, presumo); Costa Camelo (entretanto falecido, actualizo), o pintor dos grandes espaços bretões, que trocou a sua Covilhã de origem pela Cidade-Luz, onde, num final de tarde, nas traseiras do Sacré-Coeur, bebi, em sua casa, chá feito e servido numa lavada caçarola de alumínio; Jorge Martins, o pintor que acha que o "ser-se moderno é ser-se autêntico, sem se estar à moda" e que "Lisboa tem cor de burro quando foge"; Júlio Pomar, Van Gogh do traço, sem o desespero do suicídio; Vieira da Silva, "do nosso arrependimento", neta de pioneiro do extinto jornal "O Século" (da minha emoção, escrevo-o agora pela primeira vez), pintora do Mundo, que via luz própria nos prédios de Lisboa.

Mas há que não ignorar também o outro lado das coisas e, sem dó nem piedade, falar da França ganha-pão, que, às vezes, dá moradias em Portugal e segundas gerações envergonhadas no país de opção.

Cito José Saramago: " França são longas viagens de combóio, uma grande tristeza, um maço de notas atado com um cordel e ciúme estúpido de quem ficou e agora murmura de quem lá foi, está rico. São as invejas do pobre, o mal que se querem uns aos outros por motivo de interesses."

Convido-vos agora a dar um salto ao Brasil, no itinerário da minha peregrinação, destino célebre na nossa emigração ("Português de Braga, português do Mundo"), em tempos não tão longe como isso. Socorro-me de Miguel Torga:

"No dia seguinte acordei para a terra onde estava a minha felicidade.

 A avaliar pelo que via, o Brasil, o Brasil que me ia enriquecer como a toda a gente, era uma casa enorme suspensa numa lomba por meia dúzia de esteios de madeira, celeiros e cocheira ao lado, um terreiro enorme em frente, moinho, chiqueiro e vacaria em baixo, ao pé do ribeiro, laranjeiras carreagadas no pomar, à direita, e arvoredo cerrado a toda a volta.

Mas a visão alargou-se, pouco depois. Havia ainda quilómetros e quilómetros de cafezais, encostas plantadas de cana de açúcar, várzeas cobertas de arrozais, extensões enormes de
mata virgem (porque o que eu vira eram simples capoeirões), montes e montes cobertos de capim, onde pastavam grandes manadas de gado, o engenho, a usina, o alambique, um rio do tamanho do Corgo - e pretos e pretas a torto e a direito.

A seguir meu tio, que me mostrava a fazenda, ia vendo, ouvindo e fixando nomes. Inhame, mandioca, quiabo, manga, abacaxi, jacarandá, tucano, araponga... Nada do que aprendera em Agarez
servia ali. Nem os ninhos eram iguais. Alguns, suspensos das árvores, pareciam lampiões pendurados. Os pássaros cantavam doutra maneira, os frutos tinham outro gosto, e, onde menos se esperava, havia cobras disfarçadas, enormes, bonitas, sempre de cabeça no ar, à espera."

Os últimos números apurados: de 1966 a 1990, acordaram para os cafezais e as modernas matas virgens: 22 325 primos de Fernão Mendes Pinto, dos quais 506 do distrito de Santarém."

* Apesar de tudo, quando muito, podem ter mudado as pessoas... As questões de fundo, essas...

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