Para Manuel da Costa, um Amigo, emigrante na Austrália
De uma palestra feita em Santarém, 1993 - a convite dos Rotários
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Nomeio-vos alguns dos que, desconhecendo-lhes o distrito de origem, saíram do anonimato que constrói países: Valentim dos Santos Dinis, o do Pão de Açúcar, a quem se deve, além do mais, o primeiro hipermercado da América Latina, com uma área de 15 mil metros quadrados; Dimas de Melo Pimenta, o homem que sabe tudo sobre relógios, que tem o título de Cidadão Paulistano e de "Fellow" do "British Horological Institute"; Joaquim Baraona, antigo provedor da Santa Casa da Misericórdia de Cascais, emigrado da vaga de 1975, para se dedicar, com êxito, ao imobiliário, no Estado do Espírito Santo; Manuel Marques, o guitarrista, admirador de Carlos Paredes, que, em S. Paulo, interpreta Bach, Chopin, Schubert, Gounod, Mozart, Vila Lobos e, por certo, Marceneiro, quando a saudade aperta; Joaquim Moleirinho, que, inicialmente, sozinho, de mestre d'obras "virou" empresário e que tem comendas com fartura; Gouveia da Silva, adjunto, cá, e sócio-director, lá - lá, em Curitiba, ido de uma Angola em ebulição; Lúcia Santos, fadista, "a poveirinha dos olhos azuis", que tem como modelo a voz de Amália e que acha que "não merece no Brasil o mesmo tratamento dado aos brasileiros que actuam em Portugal"; Rui Santos, o diplomata-poeta; António Gomes da Costa, o bancário, licenciado pela Faculdade de Ciências Económicas da Universidade do Estado da Guanabara, cujos escritos, a propósito da nossa comunidade no Brasil, mais vezes aparecem na imprensa portuguesa; Toni Correia, o "Jacinto" da telenovela "O Casarão", que diz que "não tem medo de ser devorado pelas mulheres, mas de magoá-las"; João Alves Sobrinho, o presidente do Grupo J. Alves Sobrinho, que, do seu quartel-general do nº 173 da Rua Plínio Ramos, em S. Paulo, dirige, entre outros, o grande empreendimento "Shopping
Center" Eldorado, que arquitectos portugueses conceberam e turistas de todo mundo visitam, como um dos pólos de interesse da capital brasileira do consumo.
Ferreira de Castro, in "A Selva": "O resto era a selva, com a sua vida sombria, ali pertinho e fechada num anel estrangulador. Sentia-se-lhe a existência pesada, enigmática, numa vigília que dir-se-ia uma ameaça, um pânico jacente. Cansados da muralha, os olhos tinham de procurar no céu um pouco de lonjura
e de enlevo".
Mas se há destino que sempre fascinou uma parcela significativa de primos de Fernão Mendes Pinto, esse destino é os Estados Unidos do Norte, onde, por exemplo, em New Bedford, cú do tio Sam, encontrei inúmeros compatriotas nossos, provenientes, em especial, dos Açores. Com efeito, de um total (1966 - 1990) de 159 475 emigrados para aquele país, 81 987 são, na verdade, açorianos e trabalham nas fainas piscatórias. A título de curiosidade, direi que apenas 1728 disseram ser de Santarém.
Permitam-me, entretanto, a leitura de um postal divulgado há uns anos, em New Bedford, por um tal Teotónio Almeida, de que não disponho de referências:
"Amigo turista e senhor: está interessado em Portugal, na sua cultura, na sua gente? Preocupa-o o preço das passagens e o inferno da inflação? Ouça um conselho amigo: não vá. Fique aqui nos Estados Unidos. Poupe o seu dinheiro. Guarde as divisas para o país. Veja Portugal aqui. Se não tem tempo de férias, escolha New Bedford, por exemplo. Isso bastar-lhe-á para ver um Portugalinho em acção. Vibrante. Frenético. Caloroso e emocionante. Teatral e apaixonado. Venha ver essa acção. Uma acção especialíssima: a acção da palavra que age falando. E que falando, provoca mais fala. Provoca a palavra e o palavrão. Electriza e pega fogo na boca das pessoas. E largam todas a falar. A falar. De ouvidos tapados. E cada um é que é bom. Ele e o compadre. Os outros são todos uns bandidos, uns infames, uns filhos da mãe. Cada um é que sabe e tem a solução para endireitar os demais. O outro é um asno. O que fala é que é tudo. E vai ver, senhor turista, que nenhum programa de televisão o entusiasmou tanto alguma vez na vida. Ali é que é fogo. Até as pessoas se esquecem que trabalham. Venha ver primeiros de Dezembro, cincos de Outubro, vinte e cincos de Abril. Quase todos os dias. Só por pouca sorte não haverá uma dessas revoluções de boca no dia que você escolheu lá ir.
New Bedford da falação é a imagem do que foi o parlamento português, do que é a Assembleia da República, do que foi, e é, o fim-do-mundo-em-palavras de uma discussão portuguesa. Você vai sentir-se em casa. Vai refrescar a alma com o som da palração encadeada, vai lusitanificar os pulmões. Venha, senhor turista, venha!"
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