Se a memória de um homem sentado num banco de jardim estivesse ligada a um amplificador, ai meu Deus, a barulheira seria tal que, de aprazível, o espaço circundante se tornaria uma espécie de feira popular num sábado à noite... Aliás, estou convencido de que, na circunstância, há pensamentos que tentam aproveitar o aparente repouso para se fazerem ouvir. Talvez seja por isso, de resto, que é frequente ver este ou aquele sujeito (escapadelas de ideias acumuladas?) a falar sozinho...
Não será hoje o meu caso. Mas descobri em papéis de estimação uma publicaçãozinha que não pára de insistir comigo para que a divulgue. Digo-lhe que não, claro. Tanto mais que, simpática, a Prof. Maria Beatriz Rocha-Trindade disse aí de mim coisas que não posso, ou não devo, repetir...
Limitar-me-ei, pois, ao essencial do que, fundo era a minha intenção: dizer neste blogue da saudade que tenho de Ruy Cinatti, que várias vezes vi entrar pelo "Jornal Novo" dentro a distribuir os seus últimos poemas.
Da palestra feita *, o início, a saudade que logo se me fez primeira:
"Se, como diz o Poeta, apesar de tudo, um fingidor, língua portuguesa é Pátria nossa, permitam-me que desta fale sem barreiras, evocando não os que, Maiores, na sua construção empunharam espadas de marfim e ouro e timonaram ideias e caravelas de filigrana, mas os outros, muitos mais, que vendo-se-lhes igualmente o mar no discurso e nas obras, também à crónica fizeram jus.
Duas regras, pois, aqui ficam: lembro os que se encarregaram, e encarregam, de arrotear, no interior da Ocidental Praia, palavra a palavra, gesto a gesto, estas léguas de terra e suor que nos abraçam, para cá de Espanha e por aí, escolha-se a latitude, por onde fomos e ficámos, não raro, pedra em troca de canela, mas sempre poesia e ensinamento, para não dizer bigorna e crucifixo também. Ignorando formalismos académicos, dar-lhes-ei voz directa quando as circunstâncias o imponham e os seus substantivos tenham mais força do que a boa vontade dos meus adjectivos.
Timor, presente! Breve, principio, levantado-me, não para o minuto de silêncio que, no claustro, o falsete do clarim insinua, mas para, de Ruy Cinatti, pacto de sangue reafirmado, ler, disperso, o verbo que a sepultura não calou:
"Bendigo os que estão
De alma ao léu, enterrados
Em Santa Cruz, em outros sítios
Tanto ou quanto, mas retidos
Em Timor, meu campo-sacro!
Morra ateu em qualquer horto
Se Timor não for lembrado.
Eu quero viver inteiro
Em Timor, depois de morto.
Eu quero...mas Deus me salve
Do pensamento sinistro
Tenho contas a ajustar
Com Deus, antes de proscrito
Em Timor, em qualquer parte!"
* In Memórias do Meu Cata-Vento
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