"A matéria também sonha. Nessa mistura de homems e calhaus, torrente que leva consigo gritos e forças embravecidas, turbilhão a rasto pelo infinito fora, não é indiferente ir ser pedra ou nuvem, nascer em macieira de quintal escondido e humilde, ou na água fulgindo numa fraga. Não é o acaso que reúne ou afasta moléculas, para as fundir noutras formas. Há corpos que a química não consegue ligar, porque os separa o ódio, e outros que se atraem com sofreguidão.
Depois da morte a matéria entra num mar. Rios acarretam as moléculas, até que se encontrem as que se devem juntar. O meu coração unido há-de florir num espinheiro. Será num sítio pobre, mas alguém que passe nesse Abril, sentir-se-á enternecido para sempre. O meu cérebro procurará o teu cérebro para vogarmos juntos na mansidão dum rio. Ora em terra, ora em pedra buscar-te-ei inconscientemente até dar contigo e te fruir nesse oceano bravio. Se tu fores fonte, irei topar-te e junto apagaremos a sede a muita raiz esquecida.
Criaturas simples, vão ser árvores que de anaínhas a gente se sente comovida ao vê-las; os sonhadores, desfeitos em nuvens, andarão nos poentes do mar salgado, e as penedias eternas, serão construídas do coração dos maus."
* De Raúl Brandão
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