quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Geografia - Aguarela Italiana 4














"(...) Às cinco da manhã, a cidade está deserta. Vénus voltou recatadamente ao mármore. S. Jerónimo, entretanto, ergueu, mais uma vez, o seu olhar bom e doce para cima. Marte recolheu-se de novo como, decerto, fará enquanto se mantiver em Florença. Em breve os baús da Ponte Vecchio se abrirão e os mercadores porão à venda as suas pratas. Ter-se-ão recolhido os belos fantasmas da noite e à rua terão descido florentinos e outros que a agitam, a pintam, a continuam. Eles sabem, todavia, que horas depois do sol-posto alguém percorreu a cidade para um fraterno convívio. Mas sabem também que os da Batalha de S. Romano, dos Uffizi, saíram, como sempre, vigiando a cidade para que no vale ela permaneça altiva e nobremente plebeia contemplando o Arno. Arno através do qual apeteceria navegar contornando depois a Itália pelo Mediterrâneo e subindo o Adriático até Veneza onde, de gôndola, se iria até à beira de S. Marcos para dar milho aos pombos, subir ao campanário, admirar mosaicos pedaço a pedaço, andar alguns séculos para trás.

Florença é sóbria. Veneza é vaidosa. Como se não bastassem as águas dos canais para se rever, decidiu fabricar espelhos e não cessa de se mirar. Os venezianos, esses, não andam, navegam e navegando vivem. Quase nascem no barco, casam no barco, morrem no barco. Ruas? Sim, várias. Canais? Sim, muitos.

Em Veneza sobem-se escadas, atravessam-se pontes, descem-se escadas. Ou chama-se um táxi, que é como quem diz um barco, e chega-se num abrir e fechar de olhos. Mas há os autocarros, ou melhor, os "ferry-boats", que são igualmente rápidos e a gente vai também onde quer. E se não vai fazer compras vai passear. Mas vai de barco.

Correr é coisa impossível em Veneza. Nadar depressa, sim. Aprende-se a nadar primeiro e andar depois. Nasce-se já com músculos, se se é homem: é preciso saber conduzir a gôndola contra todas as marés. É necessário dominar o mar. E os venezianos dominam-no cantando com as pernas retesadas e remo firmemente seguro nas mãos calosas e ágeis lambendo as águas dos canais da Sereníssima (...)."

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