domingo, 29 de janeiro de 2012

Geografia - Termas do Silêncio 2












"(...) Lisboa fica longe.O Porto está mais perto mas não se ouve, nem tem odores que cheguem para invadir Ofir.

O que é perigoso é vir directamente da poluição sonora daquela ou deste, e entrar descuidado em Ofir. Cada um toma as medidas que entende. Pela minha parte, aconselhado por amigos, precavi-me. E levei como material para desentoxicação progressiva algumas drogas: um transistor de bolso e outro de mesa, um gira-discos estereofónico com discos revolucionários, um televisor, uma colecção de jornais "O Século" de 1975 (de que é difícil um homem libertar-se de repente), dois livros sobre Marx e outros tantos de Mao.

Cautelosamente, e de acordo com a técnica mais moderna, comecei por, para não entrar assim de jacto no silêncio, à partida de Lisboa, meter no ouvido o auricular da telefonia de bolso ligada à Radiodifusão. Depois, à medida que me aproximava do centro do País, passei a ouvir só o transistor de mesa - no Rádio Renascença. Já em Ofir, no primeiro dia, ainda liguei a televisão depois do jantar e ouvi discos revolucionários durante a tarde. No dia seguinte, desliguei os aparelhos e passei a fazer dieta: um "Século" de 1975 em jejum, dez páginas de Marx depois do almoço e Mao, só Mao logo após o jantar.

Ao fim da primeira semana, diminui a dose: um "Seculozito" de manhã, duas páginas de Marx ao almoço, com a sopa, nada de Mao. Com o tempo, nem Mao, nem Marx, e em vez do "Século" de 1975, uma ou duas colunas - não mais - de um "Diário" recente.

Resulta. Passados quinze dias começa a sentir-se uma desentoxicação, um alívio, uma tranquiilidade, uma frescura, um descanso que, quando chega um novo veraneante de Lisboa ou do Porto, na fase inicial da cura, e se esquece da telefonia acesa ao lado, não raro se apanha uma recaída e se tem que ir de imediato a qualquer local recatado ler, quanto mais não seja, um "Século" dos tais ou uma linhazitas do "Diário" que estiver mais à mão.

É assim Ofir - Termas do Silêncio. Silêncio em termos. Silêncio que vale ouro. Ouro que não temos. A não ser em Ofir - feito silêncio."

Nota: "mudam-se os tempos ..." Há que fazer adaptações, naturalmente, mas a receita, hoje, seria similar. Eventualmente mais sofisticada ...

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