segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

QUARTO DE DESPEJO - Diário de uma favelada (2)


17 de Julho de 1955 - "Domingo. Um dia maravilhoso. O céu azul sem nuvem. O sol está tepido. Deixei o leito às 6,30. Fui buscar água. Fiz café. Tendo só um pedaço de pão e 3 cruzeiros. Dei um pedaço a cada um, puis feijão no fogo que ganhei ontem do Centro Espirita da Rua Vergueiro 103. Fui lavar minhas roupas. Quando retornei do rio o feijão cosido. Os filhos pediram pão. Dei os 3 cruzeiros ao João José para ir comprar pão. Hoje é a Nair Mathias quem começou impricar com os meus filhos. A Sílvia e o espôso já iniciara o espetaculo ao ar livre. Êle está-lhe lhe espancando. E eu estou revoltada com o que as crianças presenciam. Ouvem palavras de baixo calão. Oh! Se eu pudesse mudar daqui para um nucleo mais decente.

Fui na D. Florela pedir um dente de alho e fui na D. Analia. E recebi o que esperava:lhe

- Não tenho! 

Fui torcer as minhas roupas. A D. Aparecida perguntou-me:

- A senhora está grávida?

- Não senhora - respondi gentilmente.

E lhe chiguei interiormente. Se estou grávida não é de sua conta. Tenho pavor destas mulheres da favela. Tudo quer saber! A língua delas é como os pés de galinha tudo espalha. Está circulando rumor que eu estou grávida! E eu, não sabia!

Saí a noite, e fui catar papel. Quando eu passava perto do campo do São Paulo, várias pessoas saíam do campo. Todas brancas, só um preto. e o preto começou insultar-me: - Vai catar papel, minha tia? Olha o buraco, minha tia. Eu estava indisposta. Com vontade de deitar. Mas, prossegui. Encontrei várias pessoas amigas e parava para falar. Quando eu subia a avenida Tiradentes encontrei umas senhoras. Uma perguntou-me: 

- Sarou as pernas? 
Depois que operei, fiquei bôa graças a Deus. E até pude dançar no Carnaval, com minha fantasia de penas. Quem operou-me foi o Dr. José Torres Netto. Bom médico. E falamos de políticos. Quando uma senhora perguntou-me o que acho do Carlos Lacerda, respondi concientemente:

- Muito inteligente. Mas não tem iducação. É um político de cortiço. Que gosta de intriga. Um agitador. Uma senhora disse que foi pena! A bala que pegou o major podia acertar no Carlos Lacerda.

- Mas o seu dia ... chegará - comentou outra.

Várias pessoas afluiram-se. Eu, era o alvo das atenções. Fiquei apreensiva, porque eu estava catando papel, andrajosa (...) depois, não mais quis falar com ninguém, porque precisava catar papel. Precisava de dinheiro. Eu não tinha dinheiro em casa para comprar pão. Trabalhei até às 11,30. Quando cheguei em casa era 24 horas. Esquentei comida, dei para a Vera Eunice, jantei e deitei-me. Quando despertei os raios solares penetrava pelas frestas do barracão."

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