domingo, 22 de maio de 2016

EMIGRANTE *

* Apontamento escrito, pelo signatário deste espaço, em Macau, num dia em que a saudade empurrou a mão para o desabafo

Longas são as noites no Oriente Extremo à espera que o tempo passe e, com a manhã, a tua voz se aproxime. Insónias e pensamentos loucos me assaltam na escuridão das horas que não chegam. Vil e obstinado o cirandar do relógio quase se não ouve, e parece que pára - o velhaco - no silêncio longo e profundo da ampulheta impiedosa que não escorre. É intervalo para vagabundos e amantes. E eu - só. Nas trevas de mim próprio e de um quarto vazio de claridade e amor. Lá fora, nem a lua é hoje minha companheira. Ao fundo, na rua, alguns candeeiros criam breves zonas de claridade. Mas o sol, esse, está agora voltado para outro lado - virou as costas ao Oriente. E fê-lo para ser discreto, para com os seus raios não incomodar os amantes noctívagos do parque ou daquele quarto além onde ainda vejo uma ténue lâmpada acesa, algures num décimo segundo andar dum prédio da avenida que, qual cobra espreguiçando-se pelo chão, ondeia a meus pés enquanto os despojos da noite fazem o seu bailado ao ritmo do vento que geme e canta.

Se ao menos eu te tivesse junto a mim, na alvura de uma cama inviolada, enriquecido pelo calor dos teus beijos, enleado pela ternura dos teus níveos braços, fortes como tenazes, macios como vison. Mas não. É longe o teu quarto e as forças que tinha para te procurar perdias na busca do minuto que não vem. Talvez saia, talvez procure um táxi, um navio, um avião e desapareça já deste lado onde agora não há sol. E chegue e a horas, e tenha ensejo de surpreender, louca como eu, levantada e nua, lendo um livro que não lês, pintando numa tela que não existe, à luz de um candeeiro sem chama. E estejas, também tu, paralizada de costas para o relógio que é lento para os amantes que esperam e têm pressa junto dos amantes que amam.

É para a paciência oriental que por fim apelo transtornado na vertigem dos minutos parados. E fico para aqui, corpo morto, alma em brasa, esperando pelo amanhecer que há-de vir quando no Ocidente o deixarem. E espero, espero. Passeio no quarto. Olho a janela. E mais uma vez a manhã é lenta e os amantes de sempre na outra face da Terra me fazem sofrer guardando para si, passada a noite, o dia que quero meu quanto antes - para te olhar, para te respirar, para, afinal, sem dar importância ao sol, aproveitar a claridade da sua presença e poder estar contigo na comunhão do olhar que se vive, na epidérmica comunicação da carne que se deseja, no amor, enfim, que se espera depois da noite que uma maldição parara a um homem só, perdido em misticas paragens onde a vibração é coisa que se conquista na paciência milenária das noites sem fim.

Acordo, então, do sonho feroz em que mergulhara e aqui, ali, em toda a parte, continuarei à tua procura nas madrugadas de olhos verdes - como a esperança que só os incrédulos perdem e jamais reencontram.

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