terça-feira, 17 de maio de 2016

MACAU: Do apetite de Pequim à indiferença de Lisboa






by Ponto Final
Na origem dos tumultos que colocaram, em 1966, à prova a presença portuguesa em Macau estão vários factores. Historiadores e investigadores coincidem no pressuposto de que o “1,2,3” não foi um mero prolongamento da Revolução Cultural em Macau.




"Meio século depois continuam a existir divergências sobre as causas dos chamados incidentes do “1,2,3” em Macau, um eco da Revolução Cultural chinesa gerado por um “cocktail” de factores, como o descontentamento com a administração colonial portuguesa.
Na obra “Macau na Política Externa Chinesa (1949-79)”, publicada em 2006, o investigador Moisés Silva Fernandes divide em quatro as correntes de pensamento de autores portugueses sobre as causas dos incidentes do “1,2,3”, um assunto ainda hoje considerado “tabu” na comunidade chinesa local.
A primeira atribui a ocorrência dos acontecimentos à tentativa gorada de reconhecimento e estabelecimento de relações diplomáticas com o regime de Pequim em 1964, a segunda às atividades subversivas do Kuomintang em Macau, a terceira remete para a “incompetência política” da administração portuguesa e a quarta “avalia os acontecimentos como um conflito entre uma classe média chinesa em ascendência e uma classe média macaense defensora do ‘status quo’”.
Para o jornalista José Pedro Castanheira, na obra “Os 58 dias que abalaram Macau”, publicada em 1999, tudo começou “com uma concentração de estudantes e professores junto ao Palácio do Governador” no dia 3 de Dezembro. A intervenção da polícia resultou em “manifestações um pouco por toda a cidade, acompanhadas de desacatos e tumultos de violência crescente, provocados pelos setores comunistas mais extremistas e radicais”.
Esses confrontos entre populares e polícia generalizaram-se, “edifícios públicos foram saqueados, estátuas derrubadas”, foram decretados a lei marcial e o recolher obrigatório. Os motins continuaram até ao dia seguinte.
O saldo da agitação social foi de oito mortos e de mais de uma centena de feridos. Fotos da época mostram marchas de jovens com o livro vermelho de citações de Mao Zedong, um dos símbolos da Revolução Cultural, em riste: “Durante 58 dias, os sectores comunistas mais radicais, inspirados pelos Guardas Vermelhos, impuseram a sua lei e a sua ordem no território até à satisfação integral das suas reivindicações e à capitulação do governador Nobre de Carvalho, obrigado a assinar um acordo humilhante para as autoridades portuguesas”, escreveu José Pedro Castanheira, resumindo o “1,2,3”.
O clima de tensão já tinha, contudo, começado dias antes. Um “incidente menor”, como lhe chama Moisés Silva Fernandes, aconteceu na ilha da Taipa a 15 de Novembro, “instigado pela elite chinesa do enclave para provocar um levantamento da comunidade chinesa afecta a Pequim contra a administração portuguesa”, uma “estratégia” que “falhou” apesar das “campanhas de propaganda”.
A página do “1,2,3” só se vira a 29 de Janeiro de 1967, com os acordos, considerados humilhantes para o governo português de Macau: “Num ar festivo, que inclui o uso de fogo-de-artifício, centenas de maoístas concentram-se junto ao edifício-sede da Associação Comercial para assinalar a cerimónia de assinatura dos documentos que põem fim à fase mais violenta da Revolução Cultural chinesa em Macau”, descreve a historiadora Beatriz Basto da Silva numa cronologia da história de Macau."

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