"Um dia (dizem que em Março de 1938), num hospício da Alemanha, um louco vestido de anjinho, voltou-se para a Áustria e disse:
- És minha!
E foi.
Foi ... o absurdo. De que Viena se achou, num ápice, a capital. Não de país, mas de província. Viena-Monumento, Viena-Barroca, Viena-Arte - uma qualquer, Viena que, à sua maneira, é Florença na Europa Central, com pinceladas de Paris, com toques de Munique. Elegante e rústica. Passado e presente. Também filha de Roma pela ascendência e pela oração. Grande como, entre vários, a terá desejado Napoleão. Leve como a imortalizou Strauss. Finalmente, adversa a todas as ditaduras. Viena está agora valsinada contra qualquer tipo de maleitas.A liberdade que se respira em Viena não poderá desaparecer enquanto a valsa for a sua dança predilecta: não se pode valsar com os movimentos e o espírito prisioneiros. Viena, aliás, tem, ao longo da sua história, conhecido grandes generais: Mozart, Haydn, Schubert e tantos outros. O mais popular, contudo, terá sido Strauss que um dia achou que os caminhos do Danúbio - verdes de esperança - eram tão azuis como o céu que cobre a Austria. E a valsa tomou definitivamente conta de Viena. As armas estavam, como na Suiça, nas mãos do povo. Só que aqui os fuzis eram as músicas que o "herói" conseguira trazer do salão para a rua. A valsa é, em Viena, o fado em Lisboa. Amália está para a nossa cidade como Strauss para a capital austríaca. Em Viena dir-se-ia que até os cavalos são ensinados a dançar. Pena é que a cidade, como Lisboa em relação ao fado, comece a estar tentada a vender valsa "a metro". É - perdoemos-lhe - o preço do "excesso" da popularidade. Esqueçamos.
Afinal, em Viena até os arquitectos levaram anos a conceber salões a fim de que Strauss pudesse "descobrir" a valsa... Mas, - oh, cúmulo! - para que os arquitectos, como é visível, não falhassem, houve que fazer uma aliança com os urbanistas e Viena, ampla por dentro e por fora, é hoje espaço aberto e desafogado à altura da música de Strauss e de todas as músicas que inspirou e fazem dela a sua capital. E é assim, como que seguindo um destino de há muito fixado, que a cidade é, agora, o centro da neutralidade austríaca. Finalmente, Viena-Arte não poderá ter, num mundo dividido, outro papel que não o que desempenha nos nossos dias. Viena é, pois, quanto a mim, pelas suas próprias características, o local em que os políticos o não são - para vienense ver. Os políticos, quando lá chegam,, primeiro valsam, a seguir discutem e depois valsam. Mas nunca se atrevem a discutir Viena. Como?!... Viena tem um Museu de História Natural que lembra o de Londres, um Museu de História de Arte que recorda o Louvre. E - porque não? - uma Feira da Ladra que dá parecenças com a de Lisboa ... Viena é de todos. Jamais, nos tempos que vão correndo, para guerrear.
Entretanto, à noite, surge feminina e despe-se até um palmo abaixo do pescoço ao mesmo tempo que desce as saias até aos pés. Ilumina, então, o rosto à luz da vela e deita-se antes que ela se consuma. Bebe um copo e se se deitar tarde por ter entrado numa "boite", torna tudo incaracterístico. Viena nocturna só o é nos salões. Fora disso, é Nova Iorque, é Paris. Não é Viena.
Para não perder a personalidade, a Roma da Música, quando Strauss está no intervalo, dá entrada a Haydn, Schubert ou qualquer outro general famoso. Se faz ouvir Elvis, diverte-se - mas ignora-se. E a ignorância não é, de facto, a sua imagem. Viena-Triunfal é, além do mais, a Capital da Esperança. É a Capital da Música. E a música, se, com Strauss, é azul no Danúbio, é também verde enquanto, para os mortais, for esta a cor do futuro."
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