terça-feira, 21 de junho de 2016

aFUNDAdado

  Cita-se Artur Portela Filho e dá-se um "salto à retaguarda" fundamentado (1973), como se fosse hoje

"O teatro português actual não é uma profissão mas uma probabilidade. E no campo das probabilidades admite-se tudo e todos. O que se faz é, apenas, parte daquilo que podia ser feito. Declara-o o autor. Sugere-o o encenador. Deixa-o entrever o actor. Insinua-o o crítico. Mas se, de súbito, o teatro português deixasse de viver em estado de emergência - seria um drama para grande parte daqueles que, hoje, dizem-se ser esse teatro. Se o teatro português se fizesse profissão, técnica, exigência, o autor, para o ser, seria obrigado a produzir essa coisa tremenda - teatro autêntico. O encenador, para o ser, teria de pôr de pé essas coisas penosas - encenações modernas. O actor, para o ser, ver-se-ia na necessidade de estudar essas coisas esmagadoras - interpretações válidas. O crítico, para o ser, teria estrita obrigação de pensar e redigir essas coisas subtis - críticas úteis.

Porque o teatro em Portugal vive em condições difíceis daí não resulta que seja impossível. Exactamente para que ele seja possível, em normalidade, em eficiência, em cultura, serão meritórias as tentativas. Mas essa dificuldade é, apenas, um obstáculo. O fim não é fazer textos de emergência, encenações de emergência, interpretações de emergência, críticas de emergência. Esse estado de emergência em que se vive e dentro do qual se trabalha é um obstáculo - não pode ser um alibi de mediocridade.

O teatro português actual é uma casa de comédia dilatada. Somos todos aprendizes de teatro - autores, encenadores, actores, crítico e público. Que alguns levam a aprendizagem excessivamente a sério e encontrem em si autoridade para dizer que está tudo mal menos eles, os autores, ou eles, os encenadores, ou eles, os actores, ou eles, os críticos, não altera positivamente a situação.

(...) Amar o teatro não chega. Em alguns casos, o teatro português é prejudicado por excesso de amor. Esse amor não devia ser mas é condição suficiente para quantos ocupam os palcos e as colunas da crítica.

Esse amor pode ser uma atenuante. Mas desajeitado como é, por falta de profissão, de métier, prejudica o teatro. Em alguns casos, gravemente. Porque faz mal o que está a fazer. Porque substitui aquilo que devia ser feito.

A situação do teatro em Portugal é tão injusta que, nele, é extremamente fácil ter razão. Razão têm-na todos. Não há teatro porque não âmbito. Mas não há âmbito porque não há teatro. Não há espectáculos porque não há textos. Mas não há textos porque não há espectáculos. Não há actores porque não há companhias. Mas não há companhias porque não há actores."

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