"O promontório é um punho nodoso, com dois dedos estendidos para o mar - a ponta de S. Vicente e a ponta de Sagres. Nos dias sem sol, como o de hoje, os dedos parecem de ferro: apontam e subjugam-no. Em frente, o mar ilimitado; em baixo o abismo, a cem metros de altura. Ventanias ásperas descarnam o morro cortado a pique e no Inverno as vagas varrem-no de lado a lado.
Sagres é o cabo do mundo. Levo os pés magoados de caminhar sobre pedregulhos azulados, num carreirinho, por entre lava atormentada. Do passado restam cacos, o presente é uma coisa fora da realidade, grande extensão deserta, pardacenta e encapelada, com pedraria a aflorar entre tufos lutuosos; vasto ossário abandonado onde as pedras são caveiras, as ervas cardos negros e os tojos só espinhos e algumas folhas de zinco. O mar - é verdade, esquecia-o -, mas o mar como imensidade e tragédia, e ao lado a gigantesca ponta de S. Vicente, só negrume e sombra. Mar e céu, céu e mar, terra reduzida a torresmos e o sentimento do ilimitado.
Grande sítio para ser devorado por uma ideia!"
* in Os Pescadores, de Raúl Brandão
(por razões lamentáveis, mas alheias à minha vontade, não tenho fotos que ilustrem este texto)
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