Até 21 de Novembro de 1981 eram portugueses todos os que nasciam em Macau. Depois, só os filhos de portugueses. Adquirir a nacionalidade portuguesa passou a ser mais difícil.
João Paulo Meneses
"Passam amanhã 34 anos que entrou em vigor em Macau a Lei da Nacionalidade, aprovada um mês antes pelo Parlamento, em Lisboa.
Com esta nova Lei – e para além dos que já tinham o passaporte português até 21 de Novembro de 1981 – passaram a ser portugueses apenas os nascidos em Macau, desde que filhos de pai e/ou mãe portuguesa.
Para José Gonçalves Marques, antigo professor de direito na Universidade de Macau, esse dia alterou profundamente “o quadro histórico do direito anterior em matéria de atribuição da nacionalidade portuguesa”.
Se até dia 21 de Novembro todos quantos nasceram em Macau “são portugueses de origem, salvo pouco verificadas excepções, independentemente de serem portugueses, estrangeiros, apátridas, de nacionalidade desconhecida ou incógnitos os respectivos pais”, diz o também advogado em Macau, “aos nascidos depois, só é conferida a nacionalidade portuguesa se forem filhos de pai português ou mãe portuguesa”.
Foi o dia em que Macau “encolheu” ao nível do número de cidadãos portugueses, com a mudança do conceito de “jus soli” (todos os habitantes de Macau aqui nascidos, incluindo os de etnia chinesa, recebiam automaticamente a nacionalidade portuguesa) para o “jus sanguinis”.
Jorge Rangel – que à data era secretário-adjunto do governo de Almeida e Costa – lembra ao PONTO FINAL que “aquela lei, ao definir, no seu artigo 1º, como portugueses de origem «os filhos de pai português ou mãe portuguesa nascidos em território português ou sob administração portuguesa», clarificou e resolveu o problema das pessoas nascidas em Macau, incluindo as de etnia chinesa”.
Rangel usa as palavras “clarificou” e “resolveu” porque Macau vivia, naqueles anos, a incerteza resultante da mudança de estatuto, que, com a publicação do Estatuto Orgânico de Macau em Fevereiro de 1976, passou a ser oficialmente “território sob administração portuguesa”, em vez de Província Ultramarina de Portugal.
Jorge Rangel, que como deputado na primeira Assembleia Legislativa acompanhara os antecedentes e o contexto de elaboração da referida Lei, entende que o diploma “de 1981 não só deixou claro que todos aqueles continuavam a ser portugueses de origem, como permitiu que os seus filhos nascidos em território sob administração portuguesa fossem também portugueses de origem. Assim, o direito à nacionalidade portuguesa foi mantido para todos os residentes de Macau naquela situação”.
A “política extremamente generosa” de atribuição de nacionalidade, como lhe chamava então a revista de Hong Kong “Perspective Chinoises”, contrastava com o que se passava na colónia britânica. Rangel também faz esse paralelo nas declarações enviadas ao PONTO FINAL: “A publicação dessa lei trouxe tranquilidade às pessoas e foi muito bem recebida, tendo surpreendido observadores e representantes dos órgãos de comunicação social estrangeiros que acompanharam o processo de transição, considerando «muito generosa» a posição de Portugal, que já havia considerado os residentes chineses de Macau, aqui nascidos, portugueses de origem, podendo, em contraste com Hong Kong (onde foi diferente a posição do Governo Britânico), continuar a usufruir em pleno da nacionalidade portuguesa, mesmo após a transição”.
Como explica o jurista José Gonçalves Marques, num texto publicado na Revista O Direito, em 1991, “Portugal contrastava com o conjunto dos países europeus, que, com uma população integrada em comunidades há muito tempo sedimentadas, acolhiam predominantemente o critério do jus sanguinis”.
Rangel recorda ainda o dia de publicação da lei, lembrando que “não houve manifestações visíveis de júbilo. A sua importância foi sendo reconhecida pela população, a quem ela trouxe tranquilidade. E tornou-se ainda mais importante durante e após o período de transição”. O agora presidente do Instituto Internacional de Macau sustenta que “mesmo após a transição, sendo hoje Macau território chinês, a situação no que respeita à nacionalidade é mantida para os filhos de todos quantos já eram considerados, nos termos da lei, «portugueses de origem»”.
Mais difícil partir daí
Tendo Macau deixado de ser território português – a que se juntava a indefinição provocada pelos problemas em Timor-Leste – era obrigatório clarificar a situação, nomeadamente ao nível da nacionalidade.
A Lei de 1981 respeita no essencial a realidade herdada de Macau, mas acabou com uma situação que o jurista José Gonçalves Marques bem descreve da seguinte maneira: “Os naturais de Macau eram feitos portugueses, grande número deles, seguramente, sem o saber, sem o sentimento de pertença à «comunidade nacional» e, muito menos, se reconhecendo «filhos da Pátria»”.
Jorge Rangel lembra que logo após a publicação da Lei de 1981, “muitos macaenses e chineses naturais de Macau solicitaram esclarecimentos junto dos serviços públicos sobre o alcance e o significado da nova lei, especialmente no que respeitava à situação pessoal de cada um. Para uns importava, obviamente, a questão da nacionalidade; para outros, a preocupação maior era a manutenção do direito ao passaporte”.
O antigo secretário-adjunto recorda ainda que “as dúvidas chegaram a ser suscitadas pelos próprios responsáveis dos Serviços de Identificação, até serem resolvidas através de contactos formais e informais entre o Governo de Macau e o da República”.
Se para os que já detinham o passaporte português nada se alterou, a realidade é que passou a ser mais difícil adquirir, a partir daí, a nacionalidade portuguesa, nomeadamente para os cônjuges.
Mais ainda depois da entrada em vigor de uma alteração à Lei de 1981, feita em 1994, que passa a impor a necessidade de se provar “uma ligação efectiva à comunidade nacional” como condição essencial para obtenção da nacionalidade.
Desde essa altura sucederam-se nos tribunais portugueses os casos de mulheres e homens que, casados com portugueses, pretendiam obter o passaporte português, e quase sempre sem resultado, uma vez que o Ministério Público tem como regra a oposição a esses pedidos, quando não muito bem fundamentados.
Diversos casos correram todas as instâncias da justiça portuguesa e alguns chegaram mesmo ao Supremo Tribunal, o que uma leitura mais restrita das leis nem seria possível.
Um dos casos com mais jurisprudência terminou em 1998 com o Supremo a dar razão ao Ministério Público contra os desejos de uma mulher residente em Macau, casada com um português e mãe de duas filhas, também elas portuguesas, porque “não conhece Portugal nem a sua história, a cultura e costumes das suas gentes e não fala a língua portuguesa”.
Muito mais recente – e com um resultado final completamente diferente – foi o caso de um cidadão chinês que casou com uma portuguesa em Macau, em 2000. O homem, que vive em Macau desde 1979, concluiu a licenciatura em Direito na universidade local e fez provas de que domina o português, que conhece Portugal, até por razões profissionais, e que é conhecido entre a comunidade portuguesa de Macau.
Mesmo assim, o Ministério Público opôs-se à aquisição de nacionalidade, o que o obrigou a recorrer para o Tribunal Central Administrativo Sul, em Lisboa, que lhe deu razão em 2008.
Portugueses de Xangai “apátridas”
Nas respostas enviadas ao PONTO FINAL, Jorge Rangel lembra a situação dos portugueses nascidos em Xangai, “radicados em Macau desde o final da década de 40, a quem se quis exigir a prova de nacionalidade, tendo a emissão de passaportes sido para eles suspensa durante algum tempo, o que provocou situações de alguma angústia”.
A Lei exigia uma certidão de nascimento para renovação do Bilhete de Identidade, documento que a maioria desses portugueses, não só residentes em Macau mas também em Hong Kong, não possuía, por terem saído à pressa de Xangai, quando o exército de Mao tomou a cidade.
Com a intervenção de Macau, e a colaboração das autoridades em Lisboa, fez-se em 1993 um despacho que renovava automaticamente os passaportes aos cidadãos portugueses validamente inscritos nos consulados.
Jorge Rangel recorda que “o mesmo aconteceu com pessoas nascidas em outros países que já tinham a nacionalidade portuguesa. A muitos chegou a ser sugerido que requeressem a naturalização, o que foi liminarmente rejeitado pela maioria, tendo o problema de todos sido resolvido, caso a caso, graças à forma empenhada como o então Governador tratou do assunto em Lisboa”.
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domingo, 22 de novembro de 2015
MACAU - O dia em que Macau "escolheu"
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