Sexta-feira, 20 de Julho de 2012
(Pinharanda homenageado por Quadrazenhas)
"Quem quiser saber da biografia de Pinharanda Gomes, pode ler o excelente artigo do José Morgado no Cinco Quinas “on-line” de 02-04-2009, que está muito bem escrito e completo.
Para mim, Pinharanda Gomes é uma das mais notáveis figuras intelectuais portuguesas vivas. É um daqueles agentes da revalidação do movimento do culto do espírito, que age como catalisador e vai impulsionando a evolução, o progresso, o movimento espiritual.
E em que consiste este movimento do espírito?
Como dizia António Quadros, «Religioso ou laico, quer o mito do Espírito, arquétipo visível das elites, que haja movimento do homem e que este não seja apenas positivo, material e técnico» (no n.º 7 da revista 57).
Ou seja, Pinharanda, vê também o progresso da humanidade como evolução espiritual e os movimentos culturais como a manifestação da vertente espiritual do homem, um movimento teleológico da humanidade ou da pátria.
Nisto, tem certas afinidades com os movimentos mais recentes do «Romantismo», «Orfeu», e «Renascença Portuguesa», que estão na génese do referido movimento «57» a que pertenceram José Marinho e Álvaro Ribeiro, cujos pontos comuns seria muito interessante desenvolver, mas a brevidade de um artigo de jornal, infelizmente, o não permite.
Pinharanda, é, como bem resumiu Leal freire, um polígrafo. Contudo não tem o defeito da dispersão comum a esta actividade literária; sendo polígrafo, é, como dizia Leonardo Coimbra a respeito de Unamuno, «uma alma, um espírito da maior unidade, cheio daquela beleza que resulta da maior unidade na mais completa opulência». De facto, o seu pensamento tem a unidade própria de um sistema filosófico:
A de que cada acto humano leva consigo o peso da sua transcendência, toda a lei, instituição, governo, movimento cultural, obedecem ao plano superior do seu âmbito imediato e circunscrito e ser português é ser espiritual na medida das qualidades intrínsecas do nosso povo. Nisto se resume o pensamento de Pinharanda Gomes.
E nesta medida, tem afinidades, que talvez Pinharanda ainda não tenha percebido (quem vê de fora vê diferente) com o espiritualismo de Junqueiro, Pessoa do tempo daÁguia e da nova poesia portuguesa e depois do Orphismo messiânico e sebastianista da mensagem), do messianismo de Sampaio Bruno, o saudosismo de Pascoais (este, curiosamente autor do livro Arte de Ser Português), o criacionismo de Leonardo Coimbra e o movimento cultural em torno da revista Águia o qual influenciaria, de uma forma ou outra, a Orpfeu, a Athena, a Contemporânea, a Portugal Futurista, a Sudueste, a Serara Nova; o Integralismo, a Renovação Democrática, e o Movimento 57.
Por esse motivo, toda a obra de Pinharanda, seja na Literatura, História Religiosa, Antropologia, tem sempre por objecto tudo o que seja manifestação artística, literária, religiosa ou política do espírito português, tudo o que permita conhecer a alma genuinamente portuguesa, porque o pensamento de Pinharanda é, embora nunca o tenha visto escrito expressamente pelo próprio, como o do ideário do «57»: «não é possível servir Portugal sem conhecer Portugal. Não é possível servir o homem português sem conhecer o homem português».
O primeiro livro de Pinharanda que li foi a História da filosofia Portuguesa, por curiosidade, um ou outro capítulo cujo título mais me despertou, depois, percebendo aquela ideia global na obra, de uma só vez, do princípio ao fim.
Esta obra é fundamental na filosofia portuguesa e está ao nível e complementa oLabirinto da Saudade de Eduardo Lourenço, porque o objecto das duas é a alma portuguesa traduzida na dupla polaridade saudade-melancolia/messianismo-esperança; Pinharanda abordando o tema pela dimensão do messianismo e sua evolução nas várias manifestações da cultura portuguesa ao longo da história; Eduardo Lourenço, sobre o prisma da saudade (que Pinharanda também abordou naIntrodução à Saudade), o sentimento de alma portuguesa que é contraponto e está na raiz do messianismo e Sebastianismo.
Ambos pensam Portugal de dentro para fora, sublimando a virtualidade de liberdade, imaginação e ação do povo português. Um e outro dão conta da particularidade saudosista, melancólica, messiânica e sebastianista, da carta poética, criadora e artística da nacionalidade portuguesa, que potenciam a viagem, o descobrimento e a invenção do nosso Povo.
E se bem percebi, do que decorre do pensamento de ambos, é a reação contra esta mentalidade de dependência da nossa cultura em relação a tudo o que vem de fora, e que não tendo nada a ver com a nossa alma, esvazia todo o seu conteúdo espiritual, e só provoca dor, angústia e estagnação.
O caminho é seguir todos os meios que, coadunados com a nossa identidade, deixem florescer as potencialidades do nosso Povo e que nos tirem deste «imobilismo paralisante».
Quando se homenageia Pinharanda Gomes, é o existencialismo e filosofia portugueses que se homenageiam. Defende-se, como ele, uma ideia de pátria viva como destino colectivo acima de quaisquer interesses egoístas. É escutar a mesma crença no destino teleológico da pátria cantada nos Lusíadas de Camões, na Pátria de Junqueiro, na Mensagem de Pessoa no Encoberto de Sampaio Bruno, no Marânus, Arte de Ser Português e Os Poetas Lusíadas de Pascoais.
Nenhum dos ilustres poetas e pensadores citados, que o antecederam, foi escutado… E Pinharanda Gomes também o não vai ser, apesar do seu futuro Centro de Estudos!…
Infelizmente, o caracter pitoresco e anedótico também caracteriza um Povo, como bem observou aquele viajante francês “civilizado” do séc. XVIII, que se admirava ser a península abundante em gado asino. Em Espanha, o couplete sobre Sancho Pança foi obrigatória ao viajante. Em Portugal, por mais difícil de fazer, encontrou o mesmo esta variante original:
«O Burro português, forte e bem tratado pelos seus donos, sabe pagar, pela sua docilidade e gentileza, os bons procedimentos que usam em relação a ele. Não é embrutecido como seu vizinho de Espanha e, a prova que ele é superior, é que ele não é mudo; ele zurra pelo contrário, com entusiasmo, eu direi mais, com voluptuosidade. Possuindo plenamente a sua liberdade, ele pode desenvolver as suas faculdades. Assim, ele recomeça voluntário o seu canto harmonioso três, quatro mesmo cinco vezes sem desfalecer, subindo a sua verga e a descendo com uma facilidade diabólica; mas não a descendo sem antes haver estado bem dura, o que marca, cremos nós, o summum de satisfação e de capacidade na arte musical asinesca.»
Que descanse pois o Josué Pinharanda Gomes, a quem daqui, de Leiria, envio um comovido e fraterno abraço; de uma forma ou de outra, com burros ou sem burros, a função terá Charanga!
E para “encher o papo” e “molhar o bico”, que sem isso nem há festa popular que se preze… “comes e bebes”!
É que a alma portuguesa, também mergulha na alma sensível da pátria “chica”…
(Por ocasião da inauguração do seu centro de estudos)"
Sem comentários :
Enviar um comentário