quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Do lido, o sublinhado (84) - O Terramoto de 1755 *


* in As Luzes de LEONOR, de Maria Teresa Horta












"...Naquele primeiro de Novembro tanto as amenizam com as fazem suar, pois mais parece esta-se no pino do verão do que no dia de Todos os Santos a caminho do inverno.

(...) Mas quando, entre assomos de riso, estão prestes a esconder-se na sombra da latada rosas púrpura, chega-lhes um resolvido e surdo clamar subido das entranhas da terra, ao mesmo tempo que o chão lhes foge debaixo dos pés, desequilibrando-as.

Assustadas, franzem as pálpebras a verem a luz translúcida e límpida da manhã tremeluzir, dançar frente aos seus olhos claros, paralisadas num demorado espasmo de medo, para de imediato se agarrarem uma à outra apavoradas ante as convulsões da terra e o intenso bramido que levanta à mistura com o desabalado tocar de sinos, com os gritos, imprecações e preces, gemidos dilacerados e súplicas, chamamentos em pânico a subirem de tom à sua volta, acabando por se juntar num único fragor desmedido, que trepa já pelas abaladas colinas de Lisboa, onde se sucedem as ruínas. De mais longe chega já o brado que sai de entre os escombros, por onde uma imensa onda galgará mais tarde, maremoto a arrebanhar os restos do pouco que ainda restar.

(...) Escuridade feita de rolos de pó a despenderem-se da caliça, do estuque, do entulho e também dos fumos dos incêndios ateados pelas velas acesas que, sacudidas dos candelabros e palmatórias, tombam das mesas dos quartos interiores e das bibliotecas, dos oratórios e dos altares, a rotarem pelos soalhos de madeira velha e vulnerável de igrejas, capelas e conventos. Pelos tapetes persas e de Arraiolos dos palácios, flamejando com gosto os cortinados de veludo por ordem trepam, lambendo as franjas douradas, os panos de arrás, no devorar dos quadros e das tapeçarias.

Chamas num rastejar silvante, um pouco por todo o lado (...)"

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