quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Eu sou a casa que tenho e o que nela leio - ou não?



Um dia fui a casa de Vitorino Nemésio (no caso, doente), do "Se bem me lembro", e não estava lá uma casa qualquer, estava lá a casa feita das palavras de Vitorino Nemésio.

Um dia fui a casa de Camilo Castelo Branco e estava lá a casa do autor e o seu "drama do amor enclausurado" que fazia vibrar os amores e os dramas que o povoavam.

Um dia, em Portalegre, fui a casa de José Régio e, rodeado de santos, imaginei o escritor, um introspectivo, dentro do espaço que ali terá ocupado "quase em segredo", a dois passos do canteiro que, perto, animava pedras.

Um dia andei por aí, pelo mundo, à procura de falas nossas e encontrei uma mescla de hábitos nossos, gostos nossos, anedotas nossas, suor nosso. E muitas, muitas lombadas.

Acabo de chegar de casa de um contemporâneo, agora a despertar para o mundo que temos e não trago nem vestígios de Nemésio, nem de Camilo, nem Régio, nem de nenhum daqueles portugueses que, na estranja, acumula saudades. O que trago é memória de lombadas de livros que ninguém leu, de mobiliário que não tenho, de reproduções de realidades plásticas - contemporâneas. Produzidas pelas fábricas do consumo em série que o "progresso" trouxe.

É que eu sou a casa que tenho. Quem quiser entrar pode trazer Nemésio, pode trazer Camilo, pode trazer Régio, mas, se me quiser ver, tem que sentar-se, olhar à volta, e depois aceitar-me, ou não, como sou - numa casa que é minha há dezenas de anos, onde agora até, no caso, há espaço a que deixaram que se chamasse ruadojardim7 e que, se não é, tenta ser qualquer coisa ao ar livre, onde possam conviver, inclusivé, os da geração do GOSTO, que (digo o que penso) é a mais pobre geração jovem (com pretensões de sabedorias universais) de que tenho memória, depois de, recatado, ler/reler os Camilos, os Nemésios, os Régios e outros de que reza, no caso, a lusa história.

Este "vamos ao prático" de que são feitas as nossas casas, os nossos quase tudo, pode ser rápido, mas mata ... também mata com prontidão ... É, quiçá, uma época de lombadas. Quantas livrarias, exclusivamente livrarias, deixou de ter, por exemplo, nos últimos anos, a capital do país? Responda quem souber.

Resta-nos a NET, restam-nos as bibliotecas ao domicilio, que dão um jeito - mas nem sempre convidam à  REFLEXÃO.


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