sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O sr. Adeus


Foi notícia na imprensa. Imaginei-o, mas não o deixei sair do baú...Está agora aí, dizem-me, todos os domingos, no cinema Monumental, em Lisboa, com Filipe Melo e Tiago Carvalho...E aqui me acho, atrasado, com, do que soube, o adorno que inventei.

O SR. ADEUS *

"Antes da história, as apresentações.

Começo pela Mariana: foi ela que descobriu (quase) tudo...É uma menina de cabelos loiros, olhos castanhos, muito, muito espertos, que vejo todos os dias, ao lado da mãe, a caminho do colégio, ali para os lados do Restelo, em Lisboa, com uma boneca de trapos pela mão, a Rita, que traz sempre elegantemente vestida, com uma saia às riscas verticais que a avó lhe deu e que mais parece o arco-íris, como o que observamos, às vezes, por cima do Cristo-Rei, no Pragal, onde se diz que, criança, em casa abastada, passava férias um tal sr. Adeus, há muitos anos (ora a Mariana tem sete...Portanto, o sr. Adeus tem...é capaz de ter, umas...umas dez vezes mais...).

É um homem viajadíssimo (conhece Londres, Paris, Veneza e até S. Petesburgo...), que se fez gente numa casa de paredes quase tão altas como...como o Cristo-Rei, com enormes retratos de príncipes com grandes bigodes, pintados a preceito. Usa óculos, disso tenho a certeza. Acho que não é gordo e o cabelo é assim...assim um pouco escorrido como o da Rita, mas branco. É branco o cabelo do sr. Adeus. Branco com fios de cinzento. Que lhe emolduram na perfeição as rugas da cara e das mãos.

Sim, o sr. Adeus tem rugas. A Mariana tem as faces lisinhas, claro. Mas a Mariana nem dez anos fez ainda, como se sabe.

No sorriso é que são iguais...Iguais, não! São um bocadinho diferentes...Não! São iguais, acabou-se. Ah!...O sr. Adeus é solteiro, é o que se diz. Imagino-lhe ainda a mãe, velhinha, a recomendar-lhe coisas todos os dias, antes dele sair para as paragens da felicidade em que se senta à espera do sol.

Pronto, feitas as apresentações, vamos à história. É uma história simples, muito simples.

O sr. Adeus, que tem cara de homem bom, sabe muitas coisas, mesmo muitas coisas... Coisas de Portugal, coisas de pessoas, de quintas, de castelos, de barcos, de jóias, de Lisboa, de Paris (já li que acha Paris a cidade mais bela do mundo), de Washington e até da Rússia - da Rússia!... E os museus?...Oh!...Os museus! O que ele conhece!...

Mas vamos deixar a Mariana falar. Verdade, verdade, a Mariana é que sabe...

Um dia, quando, logo de manhã, a minha mãe me foi levar ao colégio, passei no Restelo por uma paragem de autocarro e sabem quem lá estava?... O sr. Adeus. O próprio. Tranquilo. Sorridente. Como se aquela fosse uma paragem da felicidade. O sr. Adeus, às vezes, vai dali do Restelo para o Saldanha sentar-se noutros "apeadeiros"... E depois, depois olha, olha e...e diz adeus às pessoas. Disse-me adeus a mim. A mim e à minha mãe, juro. Mas não foi um adeus qualquer, não! Foi um, a - de - us. Ou melhor, foi um beijinho. Um beijinho com asas, que viajou dos seus dedos esguios para os meus cabelos que, penso, imaginou d'ouro. Oh, querido amigo Adeus!

Logo a seguir passou um menino, e outro e outro. E sempre o sr. Adeus a acenar, ali, só, só com o seu sorriso até chegar a lua - e, aqui para nós, a solidão que à noite o vem buscar para junto da mãe, que o espera.

De há uns dias para cá, contudo, não o tenho visto. Não sei o que se passa... Terá ido a Londres? Terá ido a Paris à procura do sr. Eça, de que é admirador? Não sei e ando triste. Gosto do sr. Adeus. Espera: será que ele foi para o alto do Cristo-Rei dizer adeus aos meninos, e adultos, de Lisboa?... Talvez. De lá, pelo menos, vê-nos a todos...

É isso. Vou pedir à mamã que me leve, a mim e à Rita, à beira-Tejo, amanhã cedo ou ao fim da tarde, antes que o sol desapareça e o sr. Adeus volte a ausentar-se por algumas horas das paragens da felicidade, em que, com chuva ou sem ela, todos os dias, sorri às crianças e aos mais crescidos que passam.

Anda, Rita! Vá, não chores...




* in Agenda Lisboeta:

"João Manuel Serra (Serra?), o aristocrata que a todos acena no Saldanha.
Traz consigo a elegância do passado e a solidão da cidade grande.
Cosmopolita, viajado, amante da arte.
O mais ilustre dos ilustres desconhecidos de Lisboa."



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