segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Pensar...


Marguerite Yourcenar,

in "Como a Água que Corre"

Para Helena Vasconcelos e as Comunidades de Leitores da Culturgest, antigas e novas



"Ao instalar-se na ilha, imaginara ele ficar apartado do mundo. Ficara, sim, mas as coisas nunca são tão perfeitas como a gente julga. A vinda hebdomadária de Wilhelm fazia-o reatar com o que pensara abandonar. Com os víveres, trazia também o velho as histórias da aldeia: uma vaca ou uma égua que dera à luz, o incêndio de uma meda de trigo, uma mulher espancada ou um marido cornudo, uma criança que nasce ou que morre, ou a inexorável visita do cobrador de impostos. Até se ouvia falar, às vezes, de uma cidade cercada ou pilhada na Alemanha.



(...) Uma vez, para comprovar que ainda possuía voz e fala, pronunciou alto, não já o nome de mulher, mas o seu próprio nome. O som meteu-lhe medo. O grito rouco da gaivota, o queixume do maçarico-real continham um apelo ou um aviso, compreendido pelos demais indivíduos da raça alada ou emplumada; ou pelo menos uma certeza de existir. Mas esse nome inútil parecia tão morto como o estariam todas as palavras da língua quando já ninguém as falasse. Talvez que, para se afirmar no seio de tão vasto mundo, devesse cantar como as aves."

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